19/11/10

Passagem

Senta-se nas escadas e pensa em desejar.
Pondera, reflecte, mas não deseja.
A sombra desponta das fendas dos azulejos e atravessa-lhe o coração.
Ela pensa, estou quase a querer algo. Estou prestes a ser movida. E fecha os olhos mas o silêncio só lhe devolve o som dos ponteiros do relógio.
Ela pensa em desejar.
Pensa em abrir todas as portas à sua frente, ainda que sejam mil. Em abri-las todas de seguida como um foguete, numa fome interminável para chegar ao final. Ser consumida por uma febre tal que pretender não basta, é preciso correr.

Ela quer querer. Mas jamais alcançar.
Para passar pela vida de rompante
sem nunca olhar para os lados.





13/11/10

Página

Não há vida nesta vida. Os dias sabem a pó. Pó misturado com água, como sopa de brincar, como chá para dar às bonecas.
Não há lágrimas neste choro. Não há som. Há um tremer lastimável, não mais que patético, à volta dos olhos, a tentar forçar-me a ver.
Não há sono nesta cama, só o sonambulismo das respirações, hora após hora a tentarem desencontrar-se.
Este silêncio não tem mais nada para ensinar. E as palavras chegam sempre tarde. O que me resta sem uma coisa nem outra?
Talvez desistir.

10/11/10

Ilegal

- Where... did that come from? And why was it so damn good?
- Because it was illegal.


Breaking Bad, s01

02/11/10

Preparada

Só quero martelar a cabeça para não adormecer. Pode ser a noite inteira. Pode ser a vida inteira.
Quero saltar até o tecto se romper na ponta dos meus dedos. Perdi a paciência para fronteiras, para membranas, para sermões. Este coração salta cheio de música, cheio de flores, de espelhos partidos. Estou preparada agora.
Que venham os relógios, a minha teimosia é maior.
Que venham os olhares, eu vejo mais longe. O meu horizonte foge de mim com a força de mil cavalos. As minhas asas só descansam para cheirar a brisa.


Agarrá-la pelos cabelos e fodê-la com a força descomunal de todo o medo que perdi.
Olhá-la nos olhos e ver-me com as cores de cada Outono a que sobrevivi.
Segurá-la dentro de mim sem peso, sem dor, como órgão vital que me alimenta de luz.
Porque é a minha vida.