26/06/10

First Things First

Sinto-me obrigada a dizer que encontrei o meu lugar para existir. E para ele parto veloz, sem bagagens e sem paragens. Apenas no peito o quente das mãos do meu amor.


Aprendi.


Quando abro os olhos, fecho os olhos.
Quando fecho os olhos, abro os olhos.


Não sentirei a falta de ninguém. Ninguém sentirá a minha falta.
Porque nunca se calaram para me ouvir.
Porque nunca fecharam os olhos para me ver.


Apenas um último som;
Adeus.


09/06/10

Os Oito Versos Para Treinar A Mente, por Geshe Langri Tangpa


Com a determinação de alcançar
O bem supremo de todos os seres sencientes,
Mais preciosos do que uma jóia mágica que realiza desejos,
Vou aprender a prezá-los com a maior estima.


Sempre que estiver na companhia de outras pessoas, vou aprender
A pensar em mim como a mais insignificante de entre elas,
E, com todo respeito, considerá-las supremas,
Do fundo do meu coração.


Em todos os meus actos, vou aprender a examinar a minha mente
E, sempre que surgir uma emoção negativa,
Pondo-me em risco a mim mesmo e aos outros,
Vou, com firmeza, enfrentá-la e evitá-la.


Vou prezar os seres que têm natureza perversa
E aqueles que são oprimidos por fortes negatividades e sofrimentos,
Como se eu tivesse encontrado um tesouro precioso,
Muito difícil de encontrar.


Quando os outros, por inveja, maltratarem a minha pessoa,
Ou a insultarem e caluniarem,
Vou aprender a tomar como minha a derrota,
E a eles oferecer a vitória.


Quando alguém a quem ajudei com grande esperança
Magoar ou ferir a minha pessoa, mesmo sem motivo,
Vou aprender a ver essa outra pessoa
Como um excelente guia espiritual.


Em suma, vou aprender a oferecer a todos, sem excepção,
Toda a ajuda e felicidade, por meios directos e indirectos,
E a tomar sobre mim, em sigilo,
Todos os males e sofrimentos daqueles que foram minhas mães.


Vou aprender a manter estas práticas
Isentas das máculas das oito preocupações mundanas,
E, ao compreender todos os fenómenos como ilusórios,
Serei libertado da escravidão do apego.

05/06/10

Eventualidades



Fomos até à varanda. Eu estava a fumar e ela entretia-se a cheirar os cantos enchuvados das grades. Perguntei-lhe, de súbito

- E só isto?

Ao que ela respondeu insurpreendida

- É só isto.

Desconcertada, desatei a rir

- É mesmo só isto?

E ela tornou, a gargalhar com a língua

- É mesmo só isto!

Caiu o silêncio. Vim eu para dentro, um pouco assustada, enquanto ela se contentou em ficar a ladrar para o vento apaixonadamente.

04/06/10

Live Long

You looked around you, nobody had taken
Any notice of what you saw
Against the evening sky a formation
A million black birds looking like one


Live long
Save ten years to remember.



Quebradiça

Talvez eu possa escrever alguma coisa.


Sim, já estou acordada há cerca de vinte horas, talvez eu consiga escrever.


Já sorvi fumo suficiente, já empatei o suficiente, talvez seja esta a hora.


Não há a porra de um único dia sem estes fantasmas à minha volta. Flutuando gloriosos ao som de coros demoníacos. Esta merda é o Mal. Está aqui mesmo, na minha casa. Na minha cama. Na minha mente. E é traiçoeiro.


Tentei entender porque me faço isto, mas chego sempre ao evidente, sou só humana. E todos amamos sofrer. De uma maneira ou de outra, encontramos maneira de concretizar isso. Invejamos meras “imagens”, sabotamos as coisas que precisamos de obter, procuramos vinganças para acalmar a dor. Sem vermos que nada compensa ou vinga nada, e que tudo, por fim, se complementa.


Devíamos ter mais calma. Na verdade é um bocado só isso. Devíamos parar antes de nos tornarmos numas esponjas andantes que absorvem tudo o que recebem. Devíamos perguntar mais vezes. Devíamos manter-nos mais inocentes. Para não ficarmos a pensar que temos as regras do jogo e nada nos pode surpreender. Estou a ser extremamente abstracta. Foda-se detesto isso acerca de mim. Parto do princípio que anda toda a gente anda a fritar com esta merda como eu. Mas engano-me. Já está tudo tão ambientado. Chega a ser  bonito., como uma exposição de cozinhas. Limpeza. Ordem.


Bem, já escrevi qualquer coisa. Não serve para nada a não ser para eu me rir mais tarde. Como toda a gente ri.


E estou aqui a pensar, detesto a merda dos gajos engravatados. O que raio é uma gravata, de qualquer forma? Para que serve? Alguém tem vergonha de mostrar os botões? Que me poupem. Há limites para a futilidade. É um mero acessório. A futilidade, digo, não as gravatas. Isto não é acerca de gravatas. Estou farta da estabilidade embaraçosa da minha vida caótica. Isto tem tudo que ir.

02/06/10

I had to tell him sometime.
"I believe in God," I said, "and all the rest."
He looked at his beautiful hands; he had those left. He said very slowly, "I don't care what you believe. You can believe the whole silly bag of tricks for all I care. I love you, Sarah."
"I'm sorry" I said.
"I love you more than I hate all that. If I had children by you, I'd let you pervert them."


Excerto de The End Of The Affair, por G. Greene

01/06/10

39ª Levitação

A sólida melodia de um piano ocupava o espaço da sala inteira enquanto as minhas pernas se abriam, conduzidas pelas mãos nos meus joelhos. Lembro-me de assistir a esse momento de fora, vibrando de depravação como um daqueles homens tristes que se escondem atrás de moitas.
Conseguia visualizar tudo, como se visto através de uma cortina rendada ao fundo da sala. Fazia tudo parecer ainda mais vulgar, ainda mais rasca, e isso deixava-me molhada.
Eu estava sentada a abrir as minhas pernas, e estava também escondida, atrás da cortina, a ver. Éramos duas de mim. Mas apenas uma sentia o calor a derreter a pele, a fome insuportável do corpo; a que estava a observar.
O piano roubava o oxigénio todo, enquanto me via soltar os braços e levantar-me, agarrada pelas coxas por umas mãos. Eu ficava suspensa. As mãos puxavam-me consecutivamente contra o outro corpo para me devorar. Por detrás da cortina rendada eu via a carne das minhas coxas por entre os dedos da outra pessoa, como que inchada, cheia de sumo. O meu corpo flutuava sem peso, apenas ligado pela púbis ao corpo desconhecido.


Não havia nada que eu precisasse de fazer, ou dizer, ou pensar. Eu estava lá, atrás da cortina, a sentir tudo, intocada. Sabendo-me demasiado pesada para algum dia levantar os pés do chão.