14/04/11

O Vizinho

O vizinho demorava-se na janela, a cuspir pequenas argolas de fumo. O prédio dele era em frente, verde, branco, com merda nas paredes. Eu tinha doze anos e o frio da rua abraçava os meus seios, deixava cair a camisa no chão e pousava no parapeito. Horas, a ver as árvores crescerem.
Foram muitos os encontros à distância, eu encostava os meus lábios ao vidro e dois dedos húmidos de vergonhas. Ele jorrava fumo da boca e do nariz, olhava-me silencioso.
Momentos houve em que desejei os seus passos, o som do elevador decrépito, um cheiro de homem e tabaco. O seu fumo a subir-me pelas pernas acima, mais branco que o branco que sou eu, mais fumo que o fumo que sou eu. A sua língua, talvez, e uma barba de pai, a roçar-me nas virilhas, a ameaçar um açoite.
Pousada naquela janela, enrolando nos dedos uma madeixa de cabelo, afastando um fio de ouro da minha avó no qual chupava ansiosamente, perdi a minha inocência, o meu pudor, os meus fingimentos. De longe chegava-me o cheiro de uns braços, de umas mãos grandes como muros para me espicaçarem.

2 comentários:

  1. Nothing is real. The impression of a lover's lips, though felt, is not there the next morning. Her taste is no longer on my tongue. The silver traces of her saliva had vanished. Even our mingled sweat has evaporated. Was it ever real? The only way to find out is to continue to want, despite knowing that each touch is only an illusion, that everything I see is only a fantasy, that the reality of her skin, her fingers, her mouth, have become memory in a heartbeat or the blink of an eye.

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  2. hey ralph :) i just translated this in the other blog, you can take a look! kiss.

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