01/06/10

39ª Levitação

A sólida melodia de um piano ocupava o espaço da sala inteira enquanto as minhas pernas se abriam, conduzidas pelas mãos nos meus joelhos. Lembro-me de assistir a esse momento de fora, vibrando de depravação como um daqueles homens tristes que se escondem atrás de moitas.
Conseguia visualizar tudo, como se visto através de uma cortina rendada ao fundo da sala. Fazia tudo parecer ainda mais vulgar, ainda mais rasca, e isso deixava-me molhada.
Eu estava sentada a abrir as minhas pernas, e estava também escondida, atrás da cortina, a ver. Éramos duas de mim. Mas apenas uma sentia o calor a derreter a pele, a fome insuportável do corpo; a que estava a observar.
O piano roubava o oxigénio todo, enquanto me via soltar os braços e levantar-me, agarrada pelas coxas por umas mãos. Eu ficava suspensa. As mãos puxavam-me consecutivamente contra o outro corpo para me devorar. Por detrás da cortina rendada eu via a carne das minhas coxas por entre os dedos da outra pessoa, como que inchada, cheia de sumo. O meu corpo flutuava sem peso, apenas ligado pela púbis ao corpo desconhecido.


Não havia nada que eu precisasse de fazer, ou dizer, ou pensar. Eu estava lá, atrás da cortina, a sentir tudo, intocada. Sabendo-me demasiado pesada para algum dia levantar os pés do chão.




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