04/06/10

Quebradiça

Talvez eu possa escrever alguma coisa.


Sim, já estou acordada há cerca de vinte horas, talvez eu consiga escrever.


Já sorvi fumo suficiente, já empatei o suficiente, talvez seja esta a hora.


Não há a porra de um único dia sem estes fantasmas à minha volta. Flutuando gloriosos ao som de coros demoníacos. Esta merda é o Mal. Está aqui mesmo, na minha casa. Na minha cama. Na minha mente. E é traiçoeiro.


Tentei entender porque me faço isto, mas chego sempre ao evidente, sou só humana. E todos amamos sofrer. De uma maneira ou de outra, encontramos maneira de concretizar isso. Invejamos meras “imagens”, sabotamos as coisas que precisamos de obter, procuramos vinganças para acalmar a dor. Sem vermos que nada compensa ou vinga nada, e que tudo, por fim, se complementa.


Devíamos ter mais calma. Na verdade é um bocado só isso. Devíamos parar antes de nos tornarmos numas esponjas andantes que absorvem tudo o que recebem. Devíamos perguntar mais vezes. Devíamos manter-nos mais inocentes. Para não ficarmos a pensar que temos as regras do jogo e nada nos pode surpreender. Estou a ser extremamente abstracta. Foda-se detesto isso acerca de mim. Parto do princípio que anda toda a gente anda a fritar com esta merda como eu. Mas engano-me. Já está tudo tão ambientado. Chega a ser  bonito., como uma exposição de cozinhas. Limpeza. Ordem.


Bem, já escrevi qualquer coisa. Não serve para nada a não ser para eu me rir mais tarde. Como toda a gente ri.


E estou aqui a pensar, detesto a merda dos gajos engravatados. O que raio é uma gravata, de qualquer forma? Para que serve? Alguém tem vergonha de mostrar os botões? Que me poupem. Há limites para a futilidade. É um mero acessório. A futilidade, digo, não as gravatas. Isto não é acerca de gravatas. Estou farta da estabilidade embaraçosa da minha vida caótica. Isto tem tudo que ir.

1 comentário:

  1. "...Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele
    Poeta decadente, estupidamente pretensioso,
    Que poderia ao menos vir a agradar,
    E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver.
    Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano!

    Feliz o homem marçano,
    Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,
    Que tem a sua vida usual,
    Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,
    Que dorme sono,
    Que come comida,
    Que bebe bebida, e por isso tem alegria.

    A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
    Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.
    Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir."

    *

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