Na Barriga da Baleia
chagas e demandas.
17/04/11
Não Ter Casa
Quero escrever uma carta mas não tenho a quem.
Quero dizer obrigado mas nada me é oferecido.
Quero dizer estou a ir mas não tenho ninguém à espera.
Quero dizer eu também, mas não escuto palavras de afecto.
Quero dizer tudo bem, mas ninguém chora no meu ombro.
Quero dizer aqui estou mas estou sozinha.
Quero prometer que não vou mas não me pedem que fique.
Quero dizer não me largues mas ninguém me segura.
Quero dar o meu coração mas não há quem lhe pegue.
Quero ir para casa mas não tenho casa.
16/04/11
15/04/11
Diz-lhe que dance
Diz-lhe que nunca deixe esgotar a poesia nos momentos de paixão, pois o corpo e a alma são uma só máquina, metade magia e metade ilusão.
Diz-lhe que cante, todo o dia e toda a noite, que cante no sono e no choro e debaixo de neve. Diz-lhe que perdoe, incessantemente, antes sequer de algo ter acontecido.
Diz-lhe que ame, e que se perca no seu amor, e que se volte a encontrar.
Diz-lhe que viva, e que a morte é apenas tão certa quanto o nosso medo de nascer. Diz-lhe que dance!
Dormir
Estás a dormir e não sabes que eu estou aqui. A tua mão está caída sobre o meu peito, o teu pé entalado entre as minhas pernas. Estou ainda molhada do teu suor. A mão está fechada como a de um bebé, e não me deixas abri-la. Tento entrelaçar os meus dedos nos teus, mas não estás aqui, saberás que eu existo? Onde andas?
Eu não quero ir. Quando tens os olhos fechados eu abro os meus furiosamente, sem deixar um instante passar. Testemunhando tudo, até não aguentar mais.
Enquanto não regressares eu não posso partir; enquanto não te vir abrir os olhos e saber que vais apanhar os momentos por mim, guardar o tempo no coração e soprá-lo sobre o meu corpo.
Não vou dormir. Se partimos as duas o que será do mundo? O que será da casa, dos tijolos dentro das paredes? Não posso parar. Mesmo sozinha, não posso parar. Tudo continua e é preciso estar aqui, a segurar as fundações. Com braços e lágrimas e tédio. Confusão.
Rebolas para o lado, escorrem gotas de suor por mim abaixo. Tenho medo que durmas para sempre mas sei que não devo acordar-te. Tenho medo de nunca ir adormecer mas sei que tenho de permanecer desperta. Tenho medo de nada ser real mas sei que tenho que viver ou perder tudo.
14/04/11
O Vizinho
Foram muitos os encontros à distância, eu encostava os meus lábios ao vidro e dois dedos húmidos de vergonhas. Ele jorrava fumo da boca e do nariz, olhava-me silencioso.
Momentos houve em que desejei os seus passos, o som do elevador decrépito, um cheiro de homem e tabaco. O seu fumo a subir-me pelas pernas acima, mais branco que o branco que sou eu, mais fumo que o fumo que sou eu. A sua língua, talvez, e uma barba de pai, a roçar-me nas virilhas, a ameaçar um açoite.
Pousada naquela janela, enrolando nos dedos uma madeixa de cabelo, afastando um fio de ouro da minha avó no qual chupava ansiosamente, perdi a minha inocência, o meu pudor, os meus fingimentos. De longe chegava-me o cheiro de uns braços, de umas mãos grandes como muros para me espicaçarem.
13/04/11
Kind Hearts and Coronets
Louis - You know very well. You’re playing with fire.
Sibella - At least it warms me.
12/04/11
Rapazes
Gosto dos rapazes meigos, com medo no corpo. Gosto dos rapazes gentis, com fome na alma. Não se deve falar de rapazes, mas sim de cada rapaz. No entanto é difícil separá-los dessa aura. Homens, gajos, com promessas nos olhos – feitas a si mesmos.
Sinto os rapazes do outro lado de um rio, a olhar para o que tenho nas mãos. Vejo os rapazes sobre a colina, a polir ferramentas. Sempre despertos, sempre esperando.
Amei rapazes, beijei rapazes, ordenei a rapazes que retornassem ao útero de suas mães. Gritei com rapazes, chorei por rapazes, coroei rapazes como irmãos.
Convivi com rapazes nos seus universos selados, cheios de memórias que lhes oferecem um nome. Segui os olhos dos rapazes sobre as curvas femininas, ou um felino andar, ou uns lábios de cor obscena. Ri-me junto de rapazes, de piadas tropeçantes no absurdo, de remniscências infantis. Fui feliz junto deles sem os tocar, sem os ver quebrar, sem os conhecer.
Sinto os rapazes no fim das escadas, a escutar a melodia dos meus passos. Vejo os rapazes do outro lado de um bosque, sem haver uma passagem. Sempre lá, mas nunca lá.
Corri para rapazes, deitei-me com rapazes, vi rapazes adormecerem.
Amei rapazes, escrevi a rapazes, mas nunca os consegui acordar.
08/04/11
Faz-me Justiça
quando o tempo tiver infectado as histórias
quando eu for pegadas esquecidas no corredor
Faz-me justiça
quando o som da minha voz te soprar memórias
quando a minha ausência aliviar a tua dor
Faz-me justiça
quando eu não for mais que uma fotografia
quando eu for nome sem cheiro nem cor
…apenas agonia
um caco de nostalgia
um estilhaço de amor.
04/04/11
The Cure For Insomnia, Presented by Alfred Hitchcock
03/04/11
Para o Davide
Quantas vezes tecemos palavras, de garrafas meio vazias nas mãos, a combater o frio com murmúrios de ansiedade e amor?
Eu conheço os teus cantos escuros, de poesia e dor. De solidão secreta, cega por holofotes monumentais.
E tu viste os meus cantos escuros, a espreitar por detrás das cortinas lilases que faço ondular para os olhos do mundo.
Momentos existiram em que o meu escuro tocou o teu, e o nosso silêncio foi a nossa Jura. Sim, eu sei quem está aí dentro.
Amar-te é por vezes calar, ver-te partir por caminhos incertos, seduzido por brilhantes frutos e largos sorrisos.
Amar-te é por vezes doer, querer a lembrança de ti nu e desabrigado, para saber que não foram um sonho - aqueles momentos em que o meu escuro tocou o teu escuro.
Amar-te é ver-te por vezes tão longe, dividido entre os frutos e os sorrisos. Sem nada que te levante no ar, me levante no ar, e nos leve para onde precisamos de ir... Onde os nossos olhos vão ver o que se vê do céu e os nossos dedos vão tocar as estrelas.
Seremos o tecido que afaga a rotação do mundo. Amor.
02/04/11
Feminist or Womanist - Staceyann Chin
Girls who are only straight at night, hardcore butches be sporting dresses between 9 & 6 every day. Sometimes she is a he, trapped by the limitations of our imaginations. Primarily, I tell her, I am concerned about young women who are raped on college campuses, in bars, after poetry readings like this one, in bars. Bruised lip and broken heart, you will forgive her if she does not come forward with the truth immediately, for when she does, it is she who will stand trial as damaged goods. Everyone will say she asked for it, dressed as she was, she must have wanted it. The words will knock about in her head: ” Harlot, slut, tease, loose woman” – some people can not handle a woman on the loose. You know those women in pinstriped shirts and silk ties, You know those women in blood-red stiletto heels and short skirts. These women make New York City the most interesting place. And while we’re on the subject of diversity, Asia is not one big race, and there’s not one big country called ‘The Islands’, and no, I am not from there.
There are a hundred ways to slip between the cracks of our not so credible cultural assumptions about race and religion. Most people are suprised that my father is Chinese. Like there’s some kind of preconditioned look for the half-Chinese, lesbian poet who used to be Catholic, but now believes in dreams.
Let’s get real sister-boy in the double-x hooded sweatshirt. That blonde-haired, blue-eyed Jesus in the Vatican ain’t right. That motherfucker was Jewish, not white. Christ was a middle-eastern rasta man who ate grapes in the company of prostitutes and he drank wine more than he drank water. Born of the spirit, the disciples loved him in the flesh.
But the discourse is not on those of us who identify as gay or lesbian or even straight. The state needs us to be either a clear left or right. Those in the middle get caught in the cross – fire away at the other side. If you are not for us, then you must be against us. If you are not for us, then you must be against us. People get scared enough, they pick a team. Be it for Buddha or Krishna or Christ, I believe God is that place between belief and what you name it. I believe holy is what you do when there is nothing between your actions and the truth.
The truth is I’m afraid to draw your black lines around me, I’m not always pale in the middle, I come in too many flavors for one fucking spoon. I am never one thing or the other. At night I am everything I fear, tears and sorrows, black windows and muffled screams. In the morning, I am all I ever want to be: rain and laughter, bare footprints and invisible seams, always without breath or definition. I claim every single dawn, for yesterday is simply what I was, and tomorrow even that will be gone.
[youtube http://www.youtube.com/watch?v=PQOmyebFVV8?rel=0&w=480&h=390]
O Pertinente
O que é, então, o Pertinente? É o apropriado, o relevante, o oportuno. É o que não ofenda, o que não amachuque, o que não dê um bruto safanão à cabeça da rainha fazendo-a perder a coroa.
Muitas vezes terei pecado por impertinência, o que detectava pelos olhares desconfortáveis, tiques nos cantos das bocas. É-me difícil acorrentar as palavras que desejam ser som. Ou impedir os meus pensamentos de correrem a abraçar os outros num ímpeto. Quero dizer. Sempre quis. É o meu modo de abrir os braços.
Mas aprendemos a vergonha, o medo de cair na desgraça. Os nossos tempos de tagarelice enquanto bebés desvanecem na aprendizagem da educação. E embora o silêncio seja a verdade, as palavras são o caminho que lá nos conduz. São a doença que ensina a cura.
Em vez disso morremos calados em nome da pertinência.
30/03/11
Indolor
O cheiro de cães a arder beliscava-me a pele. O homem que caminhava à minha frente contava-me que tinha afogado uma ninhada. Vacilei, perdi-me, porque eram demasiadas vidas para contar. Os meus dedos tremiam arrastando-se nas grades, os olhares imploravam por uma morte veloz que os levasse a verdes pradarias ou à absoluta escuridão. Porque na escuridão se pode imaginar uma liberdade.
Lá fora, vários cães esperavam para morrer respirando o cheiro dos anteriores. Mesmo nesses últimos momentos não lhes foi concedido o direito da imaginação. Não os quis olhar nos olhos. Fugi do meu coração. Desejei entrar com eles naquele forno e segurá-los até ao último fôlego, embora soubesse que estavam mortos antes disso. Mas quando, questionei-me. Quando se morre?
Talvez tenham morrido dentro das celas, onde sabendo-se invisíveis se coçaram com os dentes até provarem sangue. Talvez tenham morrido na mesa do veterinário, quando uma mão velha de homem os assassinou com uma seringa. Talvez eu os tenha morto quando infiel desviei o meu olhar.
Estes cães foram largados inocentes no meio da rua. Correram durante meia hora atrás do carro que os tinha abandonado, sorrindo meigamente até sucumbirem de exaustão. Estes cães foram amarrados a postes e deixados para morrer. Foram depositados em ninhadas dentro de caixotes, de carrinhos de supermercados, em parques de estacionamento. Estes cães foram "disciplinados". Foram "ensinados". Foram "treinados". Estes cães foram pontapeados.
Entendi o que se passava com o mundo. Temos o Amor em jaulas. Temos o Amor em caixas a dar voltas sobre si mesmo em loucura. Atiramos o Amor para fornalhas em dias pré-marcados nos calendários. Deixamos o Amor morrer depois de o curvarmos com a nossa violência. Partimos-Lhe o pescoço e chamamos-lhe indolor.
28/03/11
Nexo (2007)
Vou deixar um bilhete para ti em cima da cama. Tu não vais compreender o que o bilhete diz, atordoado entre palavras e frases sem nexo. Vais perceber que o bilhete é meu por causa da falta de nexo que sempre distinguiu os meus gestos dos outros gestos, as minhas palavras das outras palavras.
Vais questionar-te por momentos acerca do que terás feito de errado, mas com satisfação desistirás dessa busca, atribuindo todos e quaisquer atritos à minha permanente incongruência.
Vais rasgar o meu bilhete e suspirar, caminhando para o quarto. As minhas roupas terão desaparecido por essa altura. As minhas cartas. As minhas cores. Só ficarão as cicatrizes da minha passagem. Permanecerão apenas os objectos que mudei de lugar para deixar a luz atingir-te o rosto.
Vais precisar de cerca de meia hora para te aperceberes de que levei tudo comigo, as noites, os perdões, as dores entornadas pelos corpos, a música. Levei o sangue e a saliva. Só deixei o bilhete. Devias sentir-te esmagado pela minha arrogância. A porra de um bilhete em troca de tudo.
Mas não te vais sentir esmagado. Não vais sentir uma pontada de dor, sequer. Não sentirás absolutamente nada, para já… a não ser talvez uma levíssima perturbação, um vago não-entender, voz subterrânea imperceptível.
Depois disto, eis o que vai acontecer; vais prosseguir com o quotidiano, a coreografia. Tudo vai parecer igual, cada previsibilidade será cumprida.
Mas eu, nunca serei substituída. Nenhuma outra mudará os objectos de lugar. Nenhuma mulher virá contrariar o teu nexo, a tua sensatez crónica. E lentamente começarás a aperceber-te da minha falta. Começarão a doer-te os espaços vazios que eu costumava habitar. As tuas arestas tornar-se-ão demasiado pontiagudas para o teu espírito e vai doer, vai doer, vai doer meu amor, a solidão, a forma como ela serpenteia dentro de ti sem rumo pré-agendado. Vais ter saudades da minha loucura, da minha desorganização propositada, dos meus abraços longos demais. Vais ter saudades das divergências, discordâncias, das encruzilhadas.
Tu, companheiro, virás procurar-me com pedaços do meu bilhete rasgado. A tua memória tingida com imagens do meu rosto já disformes, porque o tempo confunde as pessoas. Como esperarás reconhecer-me…? Encontrar-me-ás através da única coisa que sempre distinguiu os meus gestos dos outros gestos, as minhas palavras das outras palavras. E caminharás para mim carecendo de tudo aquilo que sempre te repeliu. Chegarás transpirado e exausto, rendido até ao fundo do teu olhar, e entre nós não voltará jamais a haver lugar para o nexo.
6 da Tarde (excerto)
(...)
A mulher saiu do café, ansiosa por encontrar o carro para se sentar. Queria regressar à dimensão das ondas suspirantes, pairar nua num azul imenso com cheiro a sal. Mas de alguma forma sentia no seu íntimo que essa dimensão tinha sido dizimada para sempre com aquele encontro. Voltou-se para trás, o rapaz continuava sentado na mesa do café. Através do vidro viu-o, angustiado, fazer um desajeitado origami com um guardanapo. Um cisne. Que bonito, pensou ela, um cisne. E parou, por momentos, mergulhada num qualquer grão de poeira que pairava. Quando olhou novamente para o cisne, tudo tinha mudado outra vez, e ao invés de ser bonito, aquele cisne era mais uma banalidade grosseira. Lembrou-se de ter pensado, que bonito, um cisne. E envergonhou-se, curvada, no meio do passeio.
Porque estou curvada?, pensou a mulher, e depois percebeu, Ah, é porque está a chover.
[Mulher] – Não quero morrer aqui.
A mulher preferiu ir para casa.
(...)
Sunshine Snare Hits (Onde Estou Quando Fecho Os Olhos)
Foi numa noite de luar. Deste-me a mão e corremos para o mar. Beijei-te entre goles de água salgada. Havia ondas a insistir nos nossos corpos.
Eu ainda não estava apaixonada, mas o teu sorriso destruiu a minha força para fugir. Os teus olhos brilhavam cheios daquilo a que se chama felicidade, suponho. Eu nunca o tinha presenciado e paralisou-me a alma. Foi como olhar para o coração do universo, em toda a sua doçura e complexidade.
Foi a primeira noite. Nós éramos quase-estranhas. Mas despi-me perante os olhares distantes da multidão e segui-te para a água fria. Tinha uma saia preta de tule que depressa se transformou em medusa.
Penso nessa noite como penso numa criança - inocente e sem cuidado. Ela nunca partiu realmente, mas sinto-lhe a falta. Sinto falta do cheiro do mar, dos sons ao meu redor, do meu medo e do meu amor. Seguro nas mãos apenas uma imagem coçada com três frames seguidos, um GIF mal conseguido, que vai assim: o teu sorriso, depois engulo um pirulito, depois caminho de volta para a areia a morrer de frio.
É lá que estou quando fecho os olhos.
27/03/11
25/03/11
O Erro
Seria maravilhoso se pudéssemos amar os nossos erros. Não conheço invenção mais maquiavélica que o sentimento de culpa. É capaz de nos triturar sem que consigamos sequer aprender com as consequências das nossas escolhas.
Seria maravilhoso se pudéssemos amar as feridas. As que inflingimos. Como o degrau essencial para que possamos evoluir. Sabes, neste preciso momento a culpa ata-me os dedos, impedindo-os de escrever. Faz um nó da minha mente, embacia-me o olhar. Mas dentro deste fogo de repressão eu quero dizer. Eu quero falar. Quero que fique escrito.
Abençoado seja o degrau. Abençoado o meu erro. Que me ergue a olhar de frente os horizontes da minha liberdade. Que me transporta de volta para dentro deles e me ensina a não voltar a transgredi-los. Pois deverão apenas irradiar sobre os outros para os libertar também.
23/03/11
Sin Fang Bous - Clangour and Flutes
Hoje é um grande dia
És bondade, da medula à epiderme – isto percebi desde que nos conhecemos. E pensei, - alguém tão bondoso tem de ser ingénuo. Ou ignorante. Mas não és uma coisa, muito menos a outra. És simplesmente pura, e não tens caprichos. És meiga e não voltas as costas ao mundo. És sensível mas não és fraca. Choras e ris e combates. E tu queres morrer a combater. Pelos outros. Apesar.
II. Casa
Esta Casa é a melhor Casa do mundo! É tudo o que sempre desejei numa casa. O chão estala, as portas estão mal cortadas. A cozinha tem três palmos de espaço e temos um segundo quarto minúsculo para o qual nem existe designação. O agente imobiliário chamou-lhe ‘box room’. As janelas não têm estores, uma delas está partida. O autoclismo funciona mal, a banheira é praticamente inacessível e por vezes o interruptor da luz decide encravar. Temos um pequeno jardim, ainda inutilizável, com bocados inteiros de muro caído.
Esta Casa cheira a Casa! Cobrimos as paredes de verdes e vermelhos e dourados e azuis e lilases e amarelos e castanhos. Fotografias e flores e pinturas e recortes e postais e colagens. Panos, livros, desenhos. Enchemos o armário com as nossas roupas. Cobrimos a cama com o nosso aroma. Acendemos incensos que fazem corridas de fumo pelo corredor. E esta Primavera olhei para a janela e vi lindos verdes recém-nascidos no nosso jardim. Que tinham esperado por nós, debaixo da neve e debaixo da terra.
III. O Resto
Muitos de nós aprendemos que certas coisas que valorizamos acabam por tornar-se insignificantes com o passar do tempo. Saber isso ajudou-me a retirar gravidade a acontecimentos. Mas são sempre aqueles a que não prestaste atenção que voltam para te assombrar. Conclusão, tens que estar sempre atento e sempre racional - o que é impossível. Ora o que eu sempre mais receei foi morrer com assuntos mal resolvidos, ou desconfortos, ou mal-entendidos, ou rancor. Poucas coisas desejo mais que morrer em paz e não deixar a ninguém uma ferida. Mas como saber que rancor, que ferida? Como saber que eventos se vão tornar insignificantes e quais me vão assombrar? A resposta é, não importa. Talvez seja um modo de auto-policiamento o facto de ser aleatório que memórias nos vêm enlouquecer. Para que não deixemos de procurar perdão por cada dor ou conflito, e dar perdão. Para que nada fique por dizer junto de ninguém. Isto é bom. Eu saber isto é bom, eu fazer isto é bom. Para que eu viva em amor e morra em paz.
IV. Mais Nada
Hoje é um grande dia.
22/03/11
Howl
(http://www.imdb.com/title/tt1049402/)
«When is a biopic not just a biopic? When, like 'Howl,' it's got poetry in its soul.»
(Newsweek review)
18/03/11
Londres
No autocarro:
Duas pindéricas e os respectivos pretendentes. Elas têm unhas falsas e um deles os dentes branqueados, a emitir radiações.
Um senhor de cabelos brancos a segurar numa guitarra. Tem um lindo casaco verde e um brinco na orelha esquerda.
Um gangster gordíssimo envergando um fato de treino em puro plástico amarelo e vermelho. Tem metade de um cigarro entalado na orelha.
Uma senhora preocupada com um saco de flores compradas no supermercado.
Um rapaz africano com trancinhas a emborcar bebidas energéticas para ir para o trabalho da noite.
Uma pseudo rebelde pseudo zangada com cabelo vermelho, nova e certamente num emprego de merda.
Duas mulheres paquistanesas a conversar. Têm as cabeças tapadas com panos brancos e despedem-se chamando-se “darling”.
No andar de cima do autocarro não sei quem vai. Mães com filhos, provavelmente, e pessoas que querem ser deixadas em paz.
Este autocarro é ruas infindáveis, é fusão de ritmos, é suor. Este autocarro é Londres. Com rodas que não se permitem ficar paradas e um motor que trepida para chocalhar todos lá dentro. A tentar fazer de nós um só elemento, uma só corrente.
Mas falha.
Entre nós silêncio. Entre nós memórias de escravatura. Entre nós bandeiras e mapas, senhores e servos. Entre nós paixão que ofusca. Tédio, desprezo, indiferença. Diferentes perfumes com diferentes palavras a dizer.
A diferença prevalecerá. Sem importar que partilhemos uma cidade. Londres é o mundo. E estas pessoas vivem desejando a noite, para poderem sonhar na sua língua.
Epílogo
Não foste o meu pico de paixão, o orgasmo do meu existir.
Não foste o meu mais belo, o meu mais radioso.
Não foste o auge, o cume, o clímax.
Não foste o mais verdadeiro de mim.
Não foste o mais bondoso de mim.
Não foste o melhor que eu fiz, fui ou vivi.
Não és o amor da minha vida.
16/03/11
A Pêra Que Caiu Nas Minhas Mãos
Duas irmãs numa cama fria. Lá fora os sons da noite a rasgar o tempo em retalhos desiguais. O vento, a terra, os cães. Elas estão descalças, e os pés desejam juntar-se numa fricção desesperada para criar calor. Mas o calor não virá, os pés são blocos de cimento gelado, meteoritos caídos para toda a eternidade.
No quarto ao lado os pais ressonam num dueto. Os seus membros estão enterrados no colchão, inflados de sangue e cansaço.
As duas irmãs estão acordadas, no meio do silêncio e da escuridão. E imersas nesse imenso Nada, nesse eco de palavras não ditas, são uma para a outra a única familiaridade. Elas entreolham-se, adivinham o rosto que se esconde por detrás das trevas, dizem: Aqui está uma boca, aqui está uma orelha. E os seus dedos viajam ao longo do rosto, ao longo do peito… Em breve exploram mesmo aquilo que não conseguem adivinhar no escuro, mesmo aquilo que nunca viram.
Fazem amor. Sem possuírem uma palavra. Erguem uma fogueira no desejo de inventar a luz. E avançam em generosas braçadas até à fonte, ao centro, à primeiríssima faísca. Amam-se ao contrário; projectando-se de volta ao átomo-Pai.
Por fim, o sol começa a nascer, arrogante da sua pontualidade. Elas repousam nuas, seios brilhantes de saliva, mãos prostradas sobre os ventres. Regressaram de uma viagem que em breve se tornará segredo. Quando isso acontecer nada neste retrato vai conservar o seu odor. A lembrança vai oxidar, como uma pêra demasiado madura.
(Aqui.)
12/03/11
10/03/11
O Leite Com Café
Acordas sempre branda, morna da cama. Os nós dos dedos entram-te nos olhos, empurram os sonhos para o alto da cabeça. Sabe bem mas custa. Faço-te o leite com café, são duas colheres de açúcar. E depois?
Eu não quero abrir a janela, tu não queres que eu abra a janela.
Eu não quero olhar lá para fora, tu não queres sair.
Queremos mergulhar neste leite com café e adormecer afogadas, partilhar sonhos de amor sem manhãs nem anoitecer.
Cais-me no ombro e a chávena dança sobre o teu joelho, ameaça tingir de café o negro dos nossos lençóis. E depois?
Tu não queres que eu volte a acordar-te, eu não quero voltar a acordar-te.
Tu não queres o leite com café, eu não me importo de o beber.
Queremos planar ignorantes do tempo, até que sejamos livres de voar. Para longe.
09/03/11
Willow Tree
Just waiting for the sun to set
I hang my clothes
Up on the line
When I die
I'll hang my head beside the willow tree
When I'm dead
Is when I'll be free
And you can take my body
Put it in a boat
Light it on fire
You can use the kerosene
Take my body
Put it in a boat
Light it on fire
Send it out to sea
05/03/11
Furtiva
Sonho contigo, passageira de uma brisa que não consigo caçar. Sonho contigo a passar de raspão, uma imagem arrastada a esfolar-me as pernas todas.
Conheço-te o cheiro tão bem...
o cheiro dos presentes por abrir.
04/03/11
Em Que Ano Estamos
Oiço aviões no céu, por cima do meu quarto. Pergunto-me quanto faltará até que as bombas comecem a cair, até que eu comece a acordar sobressaltada com gritos e o cheiro do fogo.
Talvez quando o Mundo estiver prestes a acabar, eu sinta falta de casa. Talvez eu pense, pobre da minha mãe.
Esse aperto tão doloroso de impotência e gratidão, esse desejo de regressar, de redimir, de dizer: afinal sim, afinal não faz mal; quero esse aperto. No meu peito. Mas sei que só chegará tarde demais.
E que me poupem aos condescendentes sermões aqueles que saltaram sobre a minha cabeça quando eu já estava até meio enterrada no chão. Vêm agora dar conselhos e tecer nostalgias aquelas almas cinzentas que eu colori sozinha, com estas mãos. Que eu fiz crescer e nutri, com cuidados de irmã, com devoção de esposa. O que é dar amor senão fazer crescer um fruto que outros colhem e levam?
Oiço aviões. As paredes vibram docemente enquanto os sinto planar sobre mim. Talvez se julguem uma promessa de fim, mas eu ainda estou à espera que tudo comece.
Como são amargas as palavras de um coração doente. Como é feia a desilusão sempre derramada no meu papel.
Mas não quero pena
não quero que me segurem
não quero ouvir arrependimentos
nem quero saber em que ano estamos.
03/03/11
01/03/11
Fumo
As minhas palavras são o meu fumo. Às voltas, a ondular, uma cascata invertida. O sol bate-me nos olhos vindo de uma longa fresta, ao longe, e fustiga o meu fumegar. O meu fumo começa a definir-se como espaço negativo de uma luz divina. Gaguejo, o fumo é agora bolas transparentes de tosse interrompida. E eu vejo com os meus olhos que se me inclinasse, se erguesse a mão eu conseguia tocar a luz. Eu conseguia penetrar com o meu punho aquele rasgão no tecido da fortaleza. Mas não me inclino. Não ergo a mão. Fico parada a pasmar, admirando os meus fumos. Os seus caprichos, as suas inclinações. A viver numa paixão exarperante pela cortina de seda com que o meu fumo desafia aquela luz, com que ele a contamina e seduz com todas as suas peculiaridades.
Sim, e eu sei. Como ninguém vai nunca saber isto. Como nunca ninguém presenciou estes momentos em que magia acontece entre os meus lábios, na ponta dos meus dedos, no tecto da minha mente. Expirar palavras é como pintar o nosso céu de estrelas privado. É criar, e pensar, isto já foi feito. É inventar, mas saber, a fórmula já estava escrita, algures, antes de alguém a ter descoberto. É olhar para labirintos secretos dentro das coisas, ver de que são feitas. É perder a cabeça, é, enfim, encontrá-la. É ter medo. Escrever é… nascer, com medo.
Mas dentro do medo, paixão. Mas dentro da paixão, esperança. Mas dentro da esperança, o sonho. E dentro do sonho, há fumo.
24/02/11
22/02/11
Who's Afraid Of Virginia Woolf
George: No, but we must carry on as though we did.
Martha: Amen.
21/02/11
Obediente
A tua casa tem o cheiro da febre, as tuas palavras são água a ferver sobre a minha testa. Deixas-me quente.
E não sabes, e só to diria entrançado numa música épica, rodeada de órgãos com mil gargantas e tambores desatinando como numa guerra prestes a rebentar.
As tuas vírgulas dão-me arrepios. Da base da minha coluna até à ponta dos meus lábios. A tua voz é sinal para levantar túmulos centenários dentro de mim. A poeira espalha-se em ondas perfeitas, tossimos os dois.
Deixas-me quente. Basta que pressinta os teus passos a uma milha, e entre as minhas coxas derrete-se um vulcão abandonado pela História.
Mas tu não sabes. E só to diria escondida, fora da concha do tempo e do espaço, no meio do escuro, sem som e sem explicação. Pegaria na tua mão e fá-la-ia sentir a minha temperatura; submergir-te-ia neste vulcão entre as minhas coxas.
Pensas nisso quando te aproximas e o meu ar quase te queima? Questionas-te acerca do brilho por detrás dos meus olhos? Algo está a arder.
E queres? Provar esta lava conhecida que no entanto nunca tocaste? Talvez reconheças o cheiro do teu segundo nascimento, porque eu sei, eu fiz-te crescer contra este corpo. E os meus seios ofegaram contra o teu.
Se quiseres andar por mim, enrolo as pernas à tua volta.
Se quiseres respirar por mim, fecho a boca na tua boca.
Se me quiseres ao teu ouvido, eu grito até estar rouca.
Deixas-me quente. Vou ser obediente.
19/02/11
The Definition of Love - by Ryan O'Connell
Love is still wanting to hold someone after you climax. After the initial euphoria from the orgasm wears off, you’re replaced with a sense of calm rather than a panic. You don’t want to search for your clothes, scramble to find your keys and figure out the best way to tell them, “See ya later forever!” You’re fine with chilling out in bed with the person and maybe ordering pad thai later.
Love is unattractive. It can expose our worst traits: Jealousy, irrational fears, heated anger; the gang’s all here! While it can bring out compassion and tenderness, it can also make you behave like the ugliest version of yourself. That can be okay for a little while, but love with real longevity should be like a xanax rather than an adderall.
Love is not afraid to be schmaltzy. There’s a reason why the most popular love songs are so lyrically simple. You can drown it in metaphors all you want but love usually boils down to, “You make me so happy. I want to hold your hand. I just want u 2 be mine 4ever!” You can be a 50-year-old linguistics professor at Columbia University and still find something to relate to in a Mariah Carey ballad if you’re in love because the feelings are so universal. It’s humbling, isn’t it? No matter who you are or what your background is, love can reduce you to Mariah Carey mush.
(...)
Love is getting drunk with your significant other at a party and taking a cab home with your bodies intertwined. You feel safest in these moments, the most secure. Entering a social gathering with someone who loves you is the biggest security blanket. People leave the party as a parade of droopy expressions and sad cocktail dresses. But not you. “Sorry guys, I’m in love! I’m taking a car!”
Love is fucking stupid. Love is fucking smart. Love is about betraying yourself, of compromising your ideals for someone else’s approval. That’s actually the bad kind of love, but I guess it all blurs together when you’re young or when you’re old or when you don’t love yourself.
Love is your significant other telling you about their favorite album and then making a point to fall in love with it on your own. Love is wondering why your better half loves certain things. You think you can find remnants of them in their favorite films, books and songs, but you usually can’t.
Love is finding yourself feeling protective over someone else’s well-being Love is being incensed with rage when someone or something has done your lover wrong.
Love is wanting your partner to cum. And if they can’t, just say, “That’s okay. I’m enjoying this.” It might be bullshit, but they’ll be orgasming in the next five minutes. Trust me.
Love isn’t always marriage. Marriage is spending $60,000 so everyone can know that someone loves you. You know what’s certainly not love? Debt. In some cases, love can be divorce.
Love is a back massage, a mindfuck, a hard cock, a pair of perfect breasts, of feeling unashamed about the cellulite on your body. Love is someone giving a shit about you enough to argue. Love is not passive. Love is “Don’t fucking touch me right now.” Love is “Who the FUCK were you talking to?” Love is sometimes hating yourself for a second. Love is hate. Period. Indifference is the real killer of love and the true antithesis.
When love leaves you, you should be lying on your bathroom floor with no resolve. You’re smoking cigarettes in the bathtub and crying about everything bad that’s ever happened.
Love is someone seeing the beauty in you and wanting to bask in it every day all day. Love is not guaranteed. We are not owed love. That’s why when we get it, we know how lucky we are and hold on to it for dear life.
So, yeah. That’s what love is. Anyone know where to get some?
18/02/11
17/02/11
Relance
Volto atrás no tempo, num relance. Escondo-me num sorriso mas tenho medo de nunca voltar.
Tenho treze anos e estou escondida. A minha casa é ainda a casa dos meus pais. Tu estás ali, à minha frente, e estás a esconder-te comigo.
Está escuro, e murmuramos. Estamos aterrorizados e apaixonados pelos nossos corpos, juntos, selados naquele abrigo de frio e escuridão. Não vemos nada à nossa volta, mas vemo-nos um ao outro com nitidez.
Sentas-te numa cadeira, e eu em cima de ti. E um contra o outro acendemos uma fogueira que começa a queimar o chão... o ar à nossa volta ilumina-se com as radiações. O calor faz ondas como água. Lentamente tudo se torna em fogo, e o desejo e o terror em nós aumentam em igual proporção.
De repente, alguém bate à porta. Com força. Tenho treze anos e estou escondida. A minha casa é ainda a casa dos meus pais. Num relance vejo-me aqui presa. Tenho medo de nunca voltar.
12/02/11
Testamento
Quero o cheiro de velas sopradas a trepar pelas minhas paredes. Reconhecer a cinza no fumo, a morte no aroma.
Quero contar os dias que passei nesta jaula com cortes nos braços. Deixar pingos de sangue no chão. Quero preparar-me.
Sinto uma estranha premonição no ar. De morte. De fim.
No entanto não fiz as pazes, só reuni a lenha para o meu inferno.
Quis tanto amar, e só caí. Quis tanto pousar, e só me estatelei. Quis tanto uma salvação... e é esta. É este cheiro a queimado.
Ouvem-se rezas no ar, vêm da Serra e vão para a cidade - passam por aqui. Empurram-me para o escuro com promessas de deuses. Nunca os vi nem lhes sei obedecer; fico.
Acaricio as paredes por uma última vez. Passo a língua por cada aresta, cada fresta empoeirada. E sei, foi tolice minha acreditar que era mais que isto. Eu sou cimento, eu sou madeira, eu sou pó. Matéria persistente revolvendo-se entre marés. EU SOU MUDA.
E todas as lágrimas se juntam num sorriso. E todas as perguntas se juntam num sorriso. E todos os gritos se juntam num sorriso. E todas as lembranças se juntam num sorriso. E todas as lutas se juntam num sorriso.
Inofensivo.
É o meu testamento.
11/02/11
05/02/11
02/02/11
The Girl from Monday
You had to want in order to be wanted.
You had to be wanted in order to survive.
Velha
Sinto-me velha, velha, cinzenta de todas as batalhas que travei. De todos os lembretes que escrevi. De todos os corpos que enterrei. Velha, de todos os romances derrotados. De todos os livros deixados a amarelecer.
E sou tão velha, tão velha, tão velha, que quando chegarem as rugas ao meu olhar e os meus cabelos embranquecerem irei nascer novamente. No alto do grande círculo. Na ponta da roda gigante. Vou voltar a ser um bebé.
E hei-de morrer sem saber palavras, à deriva na inocência, com nenhuma mágoa no coração.
19/01/11
Do not stand at my grave and weep
I am not there, I do not sleep.
I am in a thousand winds that blow,
I am the softly falling snow.
I am the gentle showers of rain,
I am the fields of ripening grain.
I am in the morning hush,
I am in the graceful rush
Of beautiful birds in circling flight,
I am the starshine of the night.
I am in the flowers that bloom,
I am in a quiet room.
I am in the birds that sing,
I am in each lovely thing.
Do not stand at my grave bereft
I am not there. I have not left.
Mary Frye
12/01/11
Lembras-te
Nadámos num pântano azul.
Lá escreveste o resto da minha história
Lá conseguiste apagar a minha memória
de tudo o resto.
Costas Direitas
Tivesse eu nascido antes e tinha sido ensinada a andar de costas direitas. Talvez amarrassem uma régua ao longo da minha coluna, ou colocassem um monte de livros sobre a minha cabeça para eu os equilibrar.
Por vezes penso que se tivesse aprendido a andar direita, talvez as palavras me atingissem como flechas, directas ao meu peito aberto. Talvez me trespassassem rapidamente num susto de dor estreita, em vez de serpentearem por mim adentro como agora. Quem anda de costas direitas parece nada ter a esconder. É limpo, subtil. Cria uma montra de indestrutibilidade.
Penso, por outro lado, nas pessoas envelhecidas que parecem curvar-se sobre si mesmas, guardando cada imagem, cada conversa e cada remorso numa grande corcunda nas costas. O peito delas é côncavo, para receber e armazenar.
Faço com frequência um esforço especial para me endireitar quando ando na rua, e reparo que o vento fica mais frio e os rostos mais ferozes. Estar direita faz-me sentir mais alta, mais nua, mais assustada. Gostava de poder dizer que ambiciono estar mais perto do céu, mas a verdade é que me agarro com força ao chão. E tenho medo de cair como de subir, embora sonhe com um doce flutuar.
Quando me cruzo com o meu reflexo, não pareço tão enrolada. Nem os meus olhos parecem esconder segredos. Mas por dentro descanso de punhos cerrados e olhos fechados, calada num coma de água morna, e é esse o meu segredo. E teve de ser porque ninguém me ensinou a caminhar de costas direitas.
21/12/10
Este muro
Se sentiste em ti o meu cheiro, porque não olhaste para mim?
Ou não sabes que viajo contigo para todo o lugar?
Ou não sabes que vou a planar nas costas das tuas mãos?
Para todos os cantos, todos os becos.
Se sabias que estava contigo, porque não me tocaste?
Porque não esticaste os dedos para me sentir a face queimada?
Ou não sabes que estamos presas, tua a faca e minha a cicatriz?
Ou não sabes que um beijo é uma fechadura por onde se espreita?
Desejaste que me anulasse. Como carta extraviada. Fechaste-me os olhos cortaste-me as mãos. Enterraste lenços de seda nos meus ouvidos.
Neste muro atrás de mim escreveste as tuas indiscrições.
E depois mandaste-me ir em frente.
Se sentiste em ti o meu cheiro, porque não olhaste para mim?
Ou não sabes que viajo contigo para todo o lugar?
Ou não sabes que vou a planar nas costas das tuas mãos? Para todos os cantos, todos os becos.
Se sabias que eu estava contigo, porque não me tocaste?
Porque não esticaste os dedos para me sentir a face queimada?
Ou não sabes que estamos presas, tua a faca e minha a cicatriz?
Ou não sabes que um beijo é uma fechadura por onde se espreita?
Desejaste que me anulasse. Fechar-me os olhos cortar-me as mãos. Enterraste lenços de seda nos meus ouvidos. Escreveste indiscrições
11/12/10
Sing
Sing for the bartender sing for the janitor sing
Sing for the cameras sing for the animals sing
Sing for the children shooting the children sing
Sing for the teachers who told you that you couldn't sing.
09/12/10
Acerca da minha avó
Tinha muitas histórias, a minha avó. E era capaz de falar durante horas seguidas, sem que ninguém lhe tivesse perguntado nada. Era preciso prestar alguma atenção, emitir sons de concordância, acenar ligeiramente com a cabeça. As narrativas seguiam-se umas às outras, muitas vezes interrompendo-se ou misturando-se por meio de subtis ligações. Era difícil acompanhar, e não se podia estar realmente interessado no final de uma história porque o final da história levava muito, muito tempo a chegar. Outras histórias sempre se metiam no caminho, às cabeçadas, com outros nomes e circunstâncias que exigiam ser evocados.
Se a deixássemos falar durante muito tempo, por vezes ela começava a chorar, porque no trilho de uma lembrança dava de caras com algum arrependimento passado, uma saudade intolerável ou a simples dor de existir. Estes longos monólogos terminavam, nessas alturas, num doce pranto de lágrimas que pediam perdão.
Apesar de tanto falar, a minha avó levou muito tempo a conseguir dizer as coisas mais importantes. Apenas pouco antes de morrer me disse que gostava muito de mim. E sufoquei de tal maneira em perplexidade que não fui capaz de lhe responder. Esse momento assombra-me até agora. E passei muitas noites chorosas a responder-lhe contra a almofada, a implorar-lhe que ainda me oiça, que não tenha já desaparecido.
Eu não sei da minha avó. Não sei para onde vão todas estas pessoas que adormecem e não acordam. Se perdem o nome, se perdem a memória, se perdem os sentidos. Se são substituídas apenas por um zumbido invisível de cinzas e lamentações.
O único arrependimento que tenho nesta vida é não me ter assegurado de que a minha avó sabia que eu gostava muito dela também. Antes de partir para a sua viagem misteriosa.
E estou só a tentar fazer tudo o que posso, tudo o que posso imaginar. Se ela não me sente talvez me oiça. Se não me ouve... talvez me leia.
08/12/10
Costumava fantasiar acerca da longitude dos cabelos dela porque nunca os via caídos; imaginava-os infinitos, prateados, cheios de histórias antigas a romper e a emaranhar-se.
Tinha muitas histórias, a minha avó. E era capaz de falar durante horas seguidas, sem que ninguém lhe tivesse perguntado nada. Era preciso prestar alguma atenção, emitir sons de concordância, acenar ligeiramente com a cabeça. As narrativas seguiam-se umas às outras, muitas vezes interrompendo-se ou misturando-se por meio de subtis ligações. Era difícil acompanhar, e não se podia estar realmente interessado no final de uma história porque o final da história levava muito, muito tempo a chegar. Outras histórias sempre se metiam no caminho, às cabeçadas, com outros nomes e circunstâncias que exigiam ser evocados.
Se a deixássemos falar durante muito tempo, por vezes ela começava a chorar, porque no trilho de uma dessas lembranças dava de caras com algum arrependimento passado, uma saudade intolerável ou a simples dor de existir. Estes longos monólogos terminavam, nessas alturas, num doce pranto de lágrimas que cham.
04/12/10
03/12/10
Purpurina
Ontem de madrugada chegaste a casa com um balão vermelho. Tapaste-me os olhos enquanto me deslizavas pelas escadas abaixo. Abriste uma porta diante de mim e pude antecipar pelas frestas entre os dedos um cheiro de brancura a chamar remotas memórias. Deixaste-me ver, generosa.
A neve caía apoteótica ao longo da rua inteira. Os carros, os passeios, os arbustos cheios de bagas vermelhas nos quintais, tudo ostentava uma cobertura cintilante. Intocada.
No chão eram visíveis apenas as pegadas das raposas, em velozes filas de patinhas a fugir de cada revolver misterioso na escuridão.
Rodopiámos na estrada, levantando espirais de encantamento. Deitámo-nos no chão, vendo as estrelas entornar milhares de cristais. Beijámos as beiradas dos muros e juntámos os lábios cheios de neve para derretê-la. O mundo é tão mais bonito quando ninguém espreita para ver.
Gosto das noites aqui, brancas e frias. Inspiram-me um terror particular. Mantém toda a gente escondida a sugar da televisão, enrolados em cobertores. E acordamos a trabalhar, adormecemos a contar dinheiro. O frio relembra-me - sinto. O gelo enfraquece-me - vacilo.
Olhando para cima vejo o absoluto infinito espalhar purpurinas por cima de mim. E nesses momentos sei que por muito tempo que passe a destruir-me, vou sempre acabar por me arrepender.
A neve caía apoteótica sobre o mundo inteiro. Os carros, os passeios, os arbustos cheios de bagas vernelhas nos quintais, tudo o que eu conhecia ostentava uma cobertura cintilante. Intocada.
No chão eram visíveis apenas as pegadas das raposas, em velozes filas de patinhas a fugir a cada revolver misterioso no escuro.
01/12/10
Nostalgia
Imagens bafientas das minhas vidas passadas projectam-se em torno de mim. São fracas. Translúcidas. Mas o meu coração agita-se rapidamente perante familiaridades.
Desejo permanecer. O eterno sonho impossível. Mas não vou cultivar ilusões, antes viver em saudade.
Não sinto falta do meu reflexo. Nem do amor que jorrava do meu peito, solto e a desperdiçar-se permanentemente. Não.
Sinto falta da minha estupidez - mais do que tudo. Da minha credulidade, dos meus passos perdidos em direcção aos caminhos errados. Sinto falta de acreditar piamente que seria capaz de segurar quem amava junto de mim até ao fim de toda a existência.
É estranho como podemos amar tanto uma mentira que já desmascarámos. E sentir tanto a sua falta que mesmo assim a chamamos, vez após vez.
24/11/10
19/11/10
Passagem
Senta-se nas escadas e pensa em desejar.
Pondera, reflecte, mas não deseja.
A sombra desponta das fendas dos azulejos e atravessa-lhe o coração.
Ela pensa, estou quase a querer algo. Estou prestes a ser movida. E fecha os olhos mas o silêncio só lhe devolve o som dos ponteiros do relógio.
Ela pensa em desejar.
Pensa em abrir todas as portas à sua frente, ainda que sejam mil. Em abri-las todas de seguida como um foguete, numa fome interminável para chegar ao final. Ser consumida por uma febre tal que pretender não basta, é preciso correr.
Ela quer querer. Mas jamais alcançar.
Para passar pela vida de rompante
sem nunca olhar para os lados.
13/11/10
Página
Não há lágrimas neste choro. Não há som. Há um tremer lastimável, não mais que patético, à volta dos olhos, a tentar forçar-me a ver.
Não há sono nesta cama, só o sonambulismo das respirações, hora após hora a tentarem desencontrar-se.
Este silêncio não tem mais nada para ensinar. E as palavras chegam sempre tarde. O que me resta sem uma coisa nem outra?
Talvez desistir.
10/11/10
Ilegal
- Where... did that come from? And why was it so damn good?
- Because it was illegal.
Breaking Bad, s01
03/11/10
02/11/10
Preparada
Só quero martelar a cabeça para não adormecer. Pode ser a noite inteira. Pode ser a vida inteira.
Quero saltar até o tecto se romper na ponta dos meus dedos. Perdi a paciência para fronteiras, para membranas, para sermões. Este coração salta cheio de música, cheio de flores, de espelhos partidos. Estou preparada agora.
Que venham os relógios, a minha teimosia é maior.
Que venham os olhares, eu vejo mais longe. O meu horizonte foge de mim com a força de mil cavalos. As minhas asas só descansam para cheirar a brisa.
Agarrá-la pelos cabelos e fodê-la com a força descomunal de todo o medo que perdi.
Olhá-la nos olhos e ver-me com as cores de cada Outono a que sobrevivi.
Segurá-la dentro de mim sem peso, sem dor, como órgão vital que me alimenta de luz.
Porque é a minha vida.
31/10/10
No White Clouds
They say F R E E D O M
is the answer to a question you don't have to ask...
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27/10/10
Sonho
Há muito muito tempo, sonhei viver assim. Nua, deitada no solo. A trancar o calor entre as portas da minha carne. De ouvido colado à terra, a ouvir as estações passar.
Sonhei tornar-me rija como uma raiz centenária, cheia de vida e de silêncio. Quis conter a minha vitamina e dividi-la em veias pelo mundo fora.
Mas cresci flor.
Acima da terra.
Com os olhos a queimar ao sol e o caule a curvar-se ao vento.
Sou frágil. Sou uma. Não me consigo propagar num frenesim secreto de amor por debaixo do chão.
Não consigo escrever o meu nascimento através das rochas e da lama.
O meu grito é um mero assobio numa brisa despercebida.
22/10/10
19/10/10
15/10/10
Era Uma Vez
Duas crianças dormiam. Sonhavam que estava a chover.
As gotas de água caíam e mordiam-nas, como dezenas de piranhas. Mas a carne não sangrava. Em vez disso, a pele caía em véus, transparente, até pousar em alguma poça de água no chão.
As crianças sacudiam-se de susto e confusão, vendo o seu corpo despedaçar-se em camadas. A dor era quente e lasciva. As crianças trocavam olhares de intimidade febril.
Por debaixo da pele caída, um novo corpo emergia - dourado e desnorteante, como os olhos de um tigre.
As crianças notaram que as gotas que caíam no chão faziam nascer ervas daninhas. Daquelas que sugam o solo com uma fome de mendigo, e nunca se esgotam de querer.
Passados momentos, as crianças viram-se nuas. Toda a sua pele anterior tinha caído e servia de alimento a outras pequenas histórias. Então, entreolharam-se pela última vez essa noite, e deitaram-se para se amarem até de madrugada. Sobre o verde reluziam os corpos unidos, dilatando-se no silêncio como dois raios de sol.
A chuva tornou-se branda e em breve as ervas daninhas se tornaram lençóis. As crianças acordaram embaladas pelo ar morno da manhã. Abriram os olhos sem se lembrarem do que tinham juntas sonhado. Acotovelaram-se espreguiçando-se longamente. Esfregaram os olhos e observaram-se - este olhar levantou silêncio.
Havia algo escrito por debaixo dos lábios mas as crianças não sabiam ler. Havia algo a romper de dentro dos olhos mas as crianças não conseguiam ver. Restava um sabor de certeza e sangue, que elas conheciam sem terem ainda provado.
Então, como sábios decidiram esperar, sabendo que haviam de cumprir todas as profecias que ainda desconheciam.
Fim
14/10/10
O caminho para casa
É o fim de mais uma tarde. Pelos passeios gelados levito de volta para casa. Sobre mim, as árvores cospem folhas secas à vez, como uma fonte programada de centro comercial. O solene assobio dos subúrbios inunda a minha cabeça, não preciso de fazer nada senão respirar.
As casinhas são todas iguais e estão alinhadas de forma perfeita mas todos sabemos qual é a nossa. Magia.
Passo pela família indiana que mora ao meu lado, eles nunca olham para mim. Uma criança de colo vira a cabeça e engole a infinitude desta rua com os grandes olhos escuros. Nos olhos da criança vejo - a fila de casas alinhadas prolonga-se, regular, até ao fundo, até ao céu. Magia.
Chego à entrada. Tenho uma chave que abre esta porta.
É dourada e suja, como um tesouro desenterrado.
10/10/10
01/10/10
Astenia
Tenho medo de me ter perdido das palavras.
Foram elas que me levaram ao mais fundo dos abismos e me deixaram sozinha. Para estudar o mundo e cegar no escuro. Vulnerável às frestas dolorosas de luz.
Nesse abismo fiquei dormente. Fui a primeira a abandonar-me e por isso sei que não devo ressentir-me de ninguém.
Não amar o mundo é não me amar a mim mesma. E reaprender a amar exige uma verdadeira solidão.
Ninguém voltará a intrujar-me com uma versão rasca de amor.
Nem voltarão a matar-me com a força do meu próprio abraço.
Depois de ter ido com elas até ao fim de tudo o que existe, e de ter cumprido todas as provas que havia, as palavras deixaram-me só. Num silêncio que desarma toda a dor e todo o grito.
Era essa a resposta, essa a solução. Sim.
Encontrei o que existe para não ser dito. E ainda assim temo ter-me perdido das palavras. Porquê?
Porque tenho medo?
Sinto que só existo quando o posso escrever.
Para o ler logo a seguir, e saber
estive aqui.
30/08/10
29/08/10
The Prince and The Night
«The prince went slowly through the forest. His beautiful horse was silent. The sky was taking on the color of roses. "Will I be in time?" the prince wondered. He remembered what the magician had told him - "Night is your only enemy."»
Esta Voz
Diz-me para me comportar com decência para que eles me evoquem com benevolência nos seus burburinhos.
Diz-me que baixe a cabeça e peça perdão pelos passos que errei dentro das vidas alheias.
Diz-me que carregue as culpas até ao fim do Universo e seja a última alma a atravessar o Estige.
Esta voz quer-me morta. E sem razão.
Esta voz quer-me submissa. Para poder ser comida.
Mas eu tenho um orgulho que não me deixa sucumbir - por muito deselegante que isso pareça aos olhos dos mais desfavorecidos em imaginação.
Ressuscitei incontáveis vezes, a pão e água salgada, revivendo cada rasteira e cada empurrão. Tenho berros para berrar e segredos para explodir em cima de todos os que juraram guardar os meus. Os que juraram amar os meus.
Vejo-me a sós, apenas com esta voz. A carregar na cabeça todos os olhares maldosos.
Ser mal vista é não ser vista. É nunca ter sido vista. É ser invisível.
Não me importa nada disto. Doendo-me, não me importa. Porque vivo com uma verdade que fala mais alto que todas. Mais baixo e mais alto. No fundo. Como Deus. Como a terra. Como nascer.
Não preciso de tapar os ouvidos.
Esta voz quer-me morta. Sem razão.
Esta voz quer-me submissa. Para poder comer-me.
Pois esta voz que morra à fome.
27/08/10
25/08/10
Goals
Não regressaremos jamais ao parque, à chuva, ao beijo, ao odor, ao primeiro passo, ao mais grandioso choro, ao agora. Ao aqui.
Mil mortes em cada piscar de olhos. Mil mortes em cada foda vazia. Mil mortes no gesto de apontares o dedo à sandes que queres comprar no cartaz iluminado do café. Mil mortes em ti. No Universo. Mil animais tombados. Mil máquinas desligadas. Mil filmes terminados. Mil luzes apagadas em misteriosos quartos de hotel. Em cada segundo se perece, fatigado, rendido, para sem se notar se renascer no próximo piscar de olhos de alguém.
Como percorrer condignamente o sonho? Como ser capaz de fazer as perguntas, e acreditar nas respostas? Como dar um passeio no parque? Como sentir a chuva?
O que é real? O que é passado? O que está certo? Como ser bondoso? Como ser capaz?!
E como me dispor a sorver a beleza que jorra de todos os poros invisíveis do ar? Com que força? Com que prazer? Com que crença? Para quê?
21/08/10
Menos Mal
Aqui faz frio, mas muito menos.
As ruas inflamam-se a rebentar de desconhecidos. Mas menos mal.
Não existe o rugido ensurdecedor dos olhares entediados. Não me sufoca o medo de chegar a casa. Todas as tardes se prolongam no doce cheiro dos caminhos por terminar.
Aqui, ruas sem fim beijam os meus braços. Já vão longe as promessas enganadoras de abrigo. O meu único abrigo são os meus passos, porque eles não se detêm por ninguém. E AH! Como é bom não ter de esperar! Não volto a esperar. Nunca mais. Não torno a parar.
Uma chuva de luz trespassa-me enquanto caminho veloz. Todos me vêem. Não quero saber.
Que todos me vejam.
Mas ninguém me volta a reter.
09/08/10
26/06/10
First Things First
Sinto-me obrigada a dizer que encontrei o meu lugar para existir. E para ele parto veloz, sem bagagens e sem paragens. Apenas no peito o quente das mãos do meu amor.
Aprendi.
Quando abro os olhos, fecho os olhos.
Quando fecho os olhos, abro os olhos.
Não sentirei a falta de ninguém. Ninguém sentirá a minha falta.
Porque nunca se calaram para me ouvir.
Porque nunca fecharam os olhos para me ver.
Apenas um último som;
Adeus.
09/06/10
Os Oito Versos Para Treinar A Mente, por Geshe Langri Tangpa
Com a determinação de alcançar
O bem supremo de todos os seres sencientes,
Mais preciosos do que uma jóia mágica que realiza desejos,
Vou aprender a prezá-los com a maior estima.
Sempre que estiver na companhia de outras pessoas, vou aprender
A pensar em mim como a mais insignificante de entre elas,
E, com todo respeito, considerá-las supremas,
Do fundo do meu coração.
Em todos os meus actos, vou aprender a examinar a minha mente
E, sempre que surgir uma emoção negativa,
Pondo-me em risco a mim mesmo e aos outros,
Vou, com firmeza, enfrentá-la e evitá-la.
Vou prezar os seres que têm natureza perversa
E aqueles que são oprimidos por fortes negatividades e sofrimentos,
Como se eu tivesse encontrado um tesouro precioso,
Muito difícil de encontrar.
Quando os outros, por inveja, maltratarem a minha pessoa,
Ou a insultarem e caluniarem,
Vou aprender a tomar como minha a derrota,
E a eles oferecer a vitória.
Quando alguém a quem ajudei com grande esperança
Magoar ou ferir a minha pessoa, mesmo sem motivo,
Vou aprender a ver essa outra pessoa
Como um excelente guia espiritual.
Em suma, vou aprender a oferecer a todos, sem excepção,
Toda a ajuda e felicidade, por meios directos e indirectos,
E a tomar sobre mim, em sigilo,
Todos os males e sofrimentos daqueles que foram minhas mães.
Vou aprender a manter estas práticas
Isentas das máculas das oito preocupações mundanas,
E, ao compreender todos os fenómenos como ilusórios,
Serei libertado da escravidão do apego.
08/06/10
07/06/10
06/06/10
05/06/10
Eventualidades
Fomos até à varanda. Eu estava a fumar e ela entretia-se a cheirar os cantos enchuvados das grades. Perguntei-lhe, de súbito
- E só isto?
Ao que ela respondeu insurpreendida
- É só isto.
Desconcertada, desatei a rir
- É mesmo só isto?
E ela tornou, a gargalhar com a língua
- É mesmo só isto!
Caiu o silêncio. Vim eu para dentro, um pouco assustada, enquanto ela se contentou em ficar a ladrar para o vento apaixonadamente.
04/06/10
Live Long
You looked around you, nobody had taken
Any notice of what you saw
Against the evening sky a formation
A million black birds looking like one
Live long
Save ten years to remember.
Quebradiça
Talvez eu possa escrever alguma coisa.
Sim, já estou acordada há cerca de vinte horas, talvez eu consiga escrever.
Já sorvi fumo suficiente, já empatei o suficiente, talvez seja esta a hora.
Não há a porra de um único dia sem estes fantasmas à minha volta. Flutuando gloriosos ao som de coros demoníacos. Esta merda é o Mal. Está aqui mesmo, na minha casa. Na minha cama. Na minha mente. E é traiçoeiro.
Tentei entender porque me faço isto, mas chego sempre ao evidente, sou só humana. E todos amamos sofrer. De uma maneira ou de outra, encontramos maneira de concretizar isso. Invejamos meras “imagens”, sabotamos as coisas que precisamos de obter, procuramos vinganças para acalmar a dor. Sem vermos que nada compensa ou vinga nada, e que tudo, por fim, se complementa.
Devíamos ter mais calma. Na verdade é um bocado só isso. Devíamos parar antes de nos tornarmos numas esponjas andantes que absorvem tudo o que recebem. Devíamos perguntar mais vezes. Devíamos manter-nos mais inocentes. Para não ficarmos a pensar que temos as regras do jogo e nada nos pode surpreender. Estou a ser extremamente abstracta. Foda-se detesto isso acerca de mim. Parto do princípio que anda toda a gente anda a fritar com esta merda como eu. Mas engano-me. Já está tudo tão ambientado. Chega a ser bonito., como uma exposição de cozinhas. Limpeza. Ordem.
Bem, já escrevi qualquer coisa. Não serve para nada a não ser para eu me rir mais tarde. Como toda a gente ri.
E estou aqui a pensar, detesto a merda dos gajos engravatados. O que raio é uma gravata, de qualquer forma? Para que serve? Alguém tem vergonha de mostrar os botões? Que me poupem. Há limites para a futilidade. É um mero acessório. A futilidade, digo, não as gravatas. Isto não é acerca de gravatas. Estou farta da estabilidade embaraçosa da minha vida caótica. Isto tem tudo que ir.
02/06/10
"I believe in God," I said, "and all the rest."
He looked at his beautiful hands; he had those left. He said very slowly, "I don't care what you believe. You can believe the whole silly bag of tricks for all I care. I love you, Sarah."
"I'm sorry" I said.
"I love you more than I hate all that. If I had children by you, I'd let you pervert them."
Excerto de The End Of The Affair, por G. Greene