Talvez eu possa escrever alguma coisa.
Sim, já estou acordada há cerca de vinte horas, talvez eu consiga escrever.
Já sorvi fumo suficiente, já empatei o suficiente, talvez seja esta a hora.
Não há a porra de um único dia sem estes fantasmas à minha volta. Flutuando gloriosos ao som de coros demoníacos. Esta merda é o Mal. Está aqui mesmo, na minha casa. Na minha cama. Na minha mente. E é traiçoeiro.
Tentei entender porque me faço isto, mas chego sempre ao evidente, sou só humana. E todos amamos sofrer. De uma maneira ou de outra, encontramos maneira de concretizar isso. Invejamos meras “imagens”, sabotamos as coisas que precisamos de obter, procuramos vinganças para acalmar a dor. Sem vermos que nada compensa ou vinga nada, e que tudo, por fim, se complementa.
Devíamos ter mais calma. Na verdade é um bocado só isso. Devíamos parar antes de nos tornarmos numas esponjas andantes que absorvem tudo o que recebem. Devíamos perguntar mais vezes. Devíamos manter-nos mais inocentes. Para não ficarmos a pensar que temos as regras do jogo e nada nos pode surpreender. Estou a ser extremamente abstracta. Foda-se detesto isso acerca de mim. Parto do princípio que anda toda a gente anda a fritar com esta merda como eu. Mas engano-me. Já está tudo tão ambientado. Chega a ser bonito., como uma exposição de cozinhas. Limpeza. Ordem.
Bem, já escrevi qualquer coisa. Não serve para nada a não ser para eu me rir mais tarde. Como toda a gente ri.
E estou aqui a pensar, detesto a merda dos gajos engravatados. O que raio é uma gravata, de qualquer forma? Para que serve? Alguém tem vergonha de mostrar os botões? Que me poupem. Há limites para a futilidade. É um mero acessório. A futilidade, digo, não as gravatas. Isto não é acerca de gravatas. Estou farta da estabilidade embaraçosa da minha vida caótica. Isto tem tudo que ir.
"...Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele
ResponderEliminarPoeta decadente, estupidamente pretensioso,
Que poderia ao menos vir a agradar,
E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver.
Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano!
Feliz o homem marçano,
Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,
Que tem a sua vida usual,
Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e por isso tem alegria.
A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.
Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir."
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