16/03/11

A Pêra Que Caiu Nas Minhas Mãos

(Vou deixá-la cair aqui.)

Duas irmãs numa cama fria. Lá fora os sons da noite a rasgar o tempo em retalhos desiguais. O vento, a terra, os cães. Elas estão descalças, e os pés desejam juntar-se numa fricção desesperada para criar calor. Mas o calor não virá, os pés são blocos de cimento gelado, meteoritos caídos para toda a eternidade.
No quarto ao lado os pais ressonam num dueto. Os seus membros estão enterrados no colchão, inflados de sangue e cansaço.
As duas irmãs estão acordadas, no meio do silêncio e da escuridão. E imersas nesse imenso Nada, nesse eco de palavras não ditas, são uma para a outra a única familiaridade. Elas entreolham-se, adivinham o rosto que se esconde por detrás das trevas, dizem: Aqui está uma boca, aqui está uma orelha. E os seus dedos viajam ao longo do rosto, ao longo do peito… Em breve exploram mesmo aquilo que não conseguem adivinhar no escuro, mesmo aquilo que nunca viram.

Fazem amor. Sem possuírem uma palavra. Erguem uma fogueira no desejo de inventar a luz. E avançam em generosas braçadas até à fonte, ao centro, à primeiríssima faísca. Amam-se ao contrário; projectando-se de volta ao átomo-Pai.

Por fim, o sol começa a nascer, arrogante da sua pontualidade. Elas repousam nuas, seios brilhantes de saliva, mãos prostradas sobre os ventres. Regressaram de uma viagem que em breve se tornará segredo. Quando isso acontecer nada neste retrato vai conservar o seu odor. A lembrança vai oxidar, como uma pêra demasiado madura.

(Aqui.)


1 comentário:

  1. I like.
    Pears are interesting. At first they are hard. Then they abruptly ripen, soften, and the juices run out between sticky fingers...

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