23/03/11

Hoje é um grande dia

I. Tu

És bondade, da medula à epiderme – isto percebi desde que nos conhecemos. E pensei, - alguém tão bondoso tem de ser ingénuo. Ou ignorante. Mas não és uma coisa, muito menos a outra. És simplesmente pura, e não tens caprichos. És meiga e não voltas as costas ao mundo. És sensível mas não és fraca. Choras e ris e combates. E tu queres morrer a combater. Pelos outros. Apesar.

II. Casa

Esta Casa é a melhor Casa do mundo! É tudo o que sempre desejei numa casa. O chão estala, as portas estão mal cortadas. A cozinha tem três palmos de espaço e temos um segundo quarto minúsculo para o qual nem existe designação. O agente imobiliário chamou-lhe ‘box room’. As janelas não têm estores, uma delas está partida. O autoclismo funciona mal, a banheira é praticamente inacessível e por vezes o interruptor da luz decide encravar. Temos um pequeno jardim, ainda inutilizável, com bocados inteiros de muro caído.
Esta Casa cheira a Casa! Cobrimos as paredes de verdes e vermelhos e dourados e azuis e lilases e amarelos e castanhos. Fotografias e flores e pinturas e recortes e postais e colagens. Panos, livros, desenhos. Enchemos o armário com as nossas roupas. Cobrimos a cama com o nosso aroma. Acendemos incensos que fazem corridas de fumo pelo corredor. E esta Primavera olhei para a janela e vi lindos verdes recém-nascidos no nosso jardim. Que tinham esperado por nós, debaixo da neve e debaixo da terra.

III. O Resto

Muitos de nós aprendemos que certas coisas que valorizamos acabam por tornar-se insignificantes com o passar do tempo. Saber isso ajudou-me a retirar gravidade a acontecimentos. Mas são sempre aqueles a que não prestaste atenção que voltam para te assombrar. Conclusão, tens que estar sempre atento e sempre racional - o que é impossível. Ora o que eu sempre mais receei foi morrer com assuntos mal resolvidos, ou desconfortos, ou mal-entendidos, ou rancor. Poucas coisas desejo mais que morrer em paz e não deixar a ninguém uma ferida. Mas como saber que rancor, que ferida? Como saber que eventos se vão tornar insignificantes e quais me vão assombrar? A resposta é, não importa. Talvez seja um modo de auto-policiamento o facto de ser aleatório que memórias nos vêm enlouquecer. Para que não deixemos de procurar perdão por cada dor ou conflito, e dar perdão. Para que nada fique por dizer junto de ninguém. Isto é bom. Eu saber isto é bom, eu fazer isto é bom. Para que eu viva em amor e morra em paz.

IV. Mais Nada

Hoje é um grande dia.


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