01/03/11

Fumo

As minhas palavras são o meu fumo. Às voltas, a ondular, uma cascata invertida. O sol bate-me nos olhos vindo de uma longa fresta, ao longe, e fustiga o meu fumegar. O meu fumo começa a definir-se como espaço negativo de uma luz divina. Gaguejo, o fumo é agora bolas transparentes de tosse interrompida. E eu vejo com os meus olhos que se me inclinasse, se erguesse a mão eu conseguia tocar a luz. Eu conseguia penetrar com o meu punho aquele rasgão no tecido da fortaleza. Mas não me inclino. Não ergo a mão. Fico parada a pasmar, admirando os meus fumos. Os seus caprichos, as suas inclinações. A viver numa paixão exarperante pela cortina de seda com que o meu fumo desafia aquela luz, com que ele a contamina e seduz com todas as suas peculiaridades.


Sim, e eu sei. Como ninguém vai nunca saber isto. Como nunca ninguém presenciou estes momentos em que magia acontece entre os meus lábios, na ponta dos meus dedos, no tecto da minha mente. Expirar palavras é como pintar o nosso céu de estrelas privado. É criar, e pensar, isto já foi feito. É inventar, mas saber, a fórmula já estava escrita, algures, antes de alguém a ter descoberto. É olhar para labirintos secretos dentro das coisas, ver de que são feitas. É perder a cabeça, é, enfim, encontrá-la. É ter medo. Escrever é… nascer, com medo.


Mas dentro do medo, paixão. Mas dentro da paixão, esperança. Mas dentro da esperança, o sonho. E dentro do sonho, há fumo.


1 comentário:

  1. Curioso. Hoje também escrevi sobre palavras.

    No entanto, algo totalmente diferente como uma perspectiva pouco construtiva de como elas podem ter causado o fim da humanidade, sendo a humanidade um nome que não nos separa dos restantes seres.

    E sim, ainda tenho esperança de ouvir as tuas palavras ou de receber qualquer outro sinal da tua parte.

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