12/02/11

Testamento



Quero o cheiro de velas sopradas a trepar pelas minhas paredes. Reconhecer a cinza no fumo, a morte no aroma.
Quero contar os dias que passei nesta jaula com cortes nos braços. Deixar pingos de sangue no chão. Quero preparar-me.

Sinto uma estranha premonição no ar. De morte. De fim.

No entanto não fiz as pazes, só reuni a lenha para o meu inferno.
Quis tanto amar, e só caí. Quis tanto pousar, e só me estatelei. Quis tanto uma salvação... e é esta. É este cheiro a queimado.
Ouvem-se rezas no ar, vêm da Serra e vão para a cidade - passam por aqui. Empurram-me para o escuro com promessas de deuses. Nunca os vi nem lhes sei obedecer; fico.
Acaricio as paredes por uma última vez. Passo a língua por cada aresta, cada fresta empoeirada. E sei, foi tolice minha acreditar que era mais que isto. Eu sou cimento, eu sou madeira, eu sou pó. Matéria persistente revolvendo-se entre marés. EU SOU MUDA.

E todas as lágrimas se juntam num sorriso. E todas as perguntas se juntam num sorriso. E todos os gritos se juntam num sorriso. E todas as lembranças se juntam num sorriso. E todas as lutas se juntam num sorriso.
Inofensivo.
É o meu testamento.

1 comentário: