12/01/11

Costas Direitas

Tivesse eu nascido antes e tinha sido ensinada a andar de costas direitas. Talvez amarrassem uma régua ao longo da minha coluna, ou colocassem um monte de livros sobre a minha cabeça para eu os equilibrar.
Por vezes penso que se tivesse aprendido a andar direita, talvez as palavras me atingissem como flechas, directas ao meu peito aberto. Talvez me trespassassem rapidamente num susto de dor estreita, em vez de serpentearem por mim adentro como agora. Quem anda de costas direitas parece nada ter a esconder. É limpo, subtil. Cria uma montra de indestrutibilidade.
Penso, por outro lado, nas pessoas envelhecidas que parecem curvar-se sobre si mesmas, guardando cada imagem, cada conversa e cada remorso numa grande corcunda nas costas. O peito delas é côncavo, para receber e armazenar.
Faço com frequência um esforço especial para me endireitar quando ando na rua, e reparo que o vento fica mais frio e os rostos mais ferozes. Estar direita faz-me sentir mais alta, mais nua, mais assustada. Gostava de poder dizer que ambiciono estar mais perto do céu, mas a verdade é que me agarro com força ao chão. E tenho medo de cair como de subir, embora sonhe com um doce flutuar.
Quando me cruzo com o meu reflexo, não pareço tão enrolada. Nem os meus olhos parecem esconder segredos. Mas por dentro descanso de punhos cerrados e olhos fechados, calada num coma de água morna, e é esse o meu segredo. E teve de ser porque ninguém me ensinou a caminhar de costas direitas.


1 comentário:

  1. Não me esqueço de ti.
    Não me esqueço de ti.
    Não me esqueço de ti.
    Não te esqueço.

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