29/08/10

Esta Voz

Esta voz diz-me que sorria aos rostos do passado para que eles pensem que sempre me conheceram.
Diz-me para me comportar com decência para que eles me evoquem com benevolência nos seus burburinhos.
Diz-me que baixe a cabeça e peça perdão pelos passos que errei dentro das vidas alheias.
Diz-me que carregue as culpas até ao fim do Universo e seja a última alma a atravessar o Estige.


Esta voz quer-me morta. E sem razão.
Esta voz quer-me submissa. Para poder ser comida.


Mas eu tenho um orgulho que não me deixa sucumbir - por muito deselegante que isso pareça aos olhos dos mais desfavorecidos em imaginação.
Ressuscitei incontáveis vezes, a pão e água salgada, revivendo cada rasteira e cada empurrão. Tenho berros para berrar e segredos para explodir em cima de todos os que juraram guardar os meus. Os que juraram amar os meus.
Vejo-me a sós, apenas com esta voz. A carregar na cabeça todos os olhares maldosos.
Ser mal vista é não ser vista. É nunca ter sido vista. É ser invisível.


Não me importa nada disto. Doendo-me, não me importa. Porque vivo com uma verdade que fala mais alto que todas. Mais baixo e mais alto. No fundo. Como Deus. Como a terra. Como nascer.

Não preciso de tapar os ouvidos.

Esta voz quer-me morta. Sem razão.
Esta voz quer-me submissa. Para poder comer-me.
Pois esta voz que morra à fome.

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