06/01/10

Ela - Premonição (2 de Agosto)


Vou imaginá-la com os olhos abertos, para que a realidade me socorra. Tem de ser denso mas quente. Transcendente mas carnal. Já sei.


O coração dela bate ao ritmo de Portishead.


Quero continuar. As minhas mãos levantam-se no ar como se me preparasse para tocar num enorme piano. Os dedos esticam-se e contorcem-se, buscando tocar a poesia líquida do ar. Os meus ombros arrepiam-se, num vazio ansioso. Vou imaginá-la com as mãos abertas, para que o mundo me possa agarrar. Ela está à minha espera no topo de uma montanha que escalou durante dias, sozinha e descalça. No entanto os pés dela permanecem intactos, como que por magia.


Pouso a caneta observando a minha sombra. Se eu imaginasse nestas paredes um enorme oceano, a minha sombra é tudo o que eu seria. E fecho as mãos cega de poder, de poder escolher ser apenas isso. Poder ser qualquer coisa.


Ela tem o cabelo caído sobre o rosto, e nada conhece acerca da Beleza que esperam que ela simbolize. Quero tocar mas tudo o que sinto aqui é a minha própria textura. Quero provar mas tudo o que tenho aqui é a minha própria saliva. Fecho os olhos para que a realidade não possa salvar-me nunca mais. Ela dançará comigo flutuando, para que nunca nos pisemos acidentalmente. A luz da manhã vai soltar fiapos brilhantes à nossa volta, e ela vai chorar comigo apenas de felicidade. Vamos passar as noites acordadas em demandas imaginárias. Como crianças perdidas. Nos olhos dela vou encontrar a selva e o lar.


Vou resgatá-la agora, deixando o escuro para trás. Charcos de poesia líquida para ela beber das minhas mãos. E hei-de encontrá-la, e vou amá-la, de olhos fechados e de mãos abertas.


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