- Merda.
Pensa ele, e murmura:
- Não está no casaco não está no casaco.
Não está nas calças não está nas calç... Não...
Não está... na mala...
Ele tinha perdido o relógio e não havia mais nada em casa para penhorar. Os pés estavam frios de gastar o linóleo da casa vazia a tentar encontrar uma solução.
- Não está na camisa.
É o final da história. E o início cavalga lá atrás para longe de nós, como é de costume. Passado. Presente. São forças que se opoem. São mentiras que se contradizem, por falhas de engenharia.
Não estava no passeio, não estava na estrada. Não estava mais atrás nem mais ao lado. Não estava preso às roupas.
Foi-se. Acabou. Adeusinho.
Ele salta de fúria pela rua abaixo.
Acabaram-se as pessoas para enganar.
Acabaram-se os esquemas para inventar.
Acabaram-se as mentiras para impingir.
Rasteja angustiado até à porta de casa. Passa o resto do dia frenético na cadeira de baloiço, a tentar entreter os pés. Ninguém lhe telefona. Ele pensa em como seria agradável acreditar em alguma coisa. O que é que lhe vai acontecer?
O que é que lhe vai acontecer, penso. Podia não lhe acontecer nada.
Se eu não terminar esta história.
Confesso que gostava de o fazer encontrar o relógio, estupidamente posto à volta do seu pulso há horas. Ele paralisaria de choque mas acabaria a rir. Tudo acabaria bem.
Ou então ele decidiria partir, mudar as coisas, lutar.
...Mas nunca se vai saber. Eu nunca hei-de escrever o final para isto. Apenas porque posso deixá-lo à espera naquela cadeira de baloiço para toda a eternidade. E ele nunca vai envelhecer. Sim, é isso.
É glorioso, na verdade.
Em troca de um relógio, ofereci imortalidade.
Hoje sinto-me bondosa.
wow, que linda meia história! adorei.
ResponderEliminarparabéns! fico toda cheia de orgulho!
beijo