17/04/11

Não Ter Casa

Quero ir para casa mas não tenho casa.
Quero escrever uma carta mas não tenho a quem.
Quero dizer obrigado mas nada me é oferecido.
Quero dizer estou a ir mas não tenho ninguém à espera.
Quero dizer eu também, mas não escuto palavras de afecto.
Quero dizer tudo bem, mas ninguém chora no meu ombro.
Quero dizer aqui estou mas estou sozinha.
Quero prometer que não vou mas não me pedem que fique.
Quero dizer não me largues mas ninguém me segura.
Quero dar o meu coração mas não há quem lhe pegue.
Quero ir para casa mas não tenho casa.

15/04/11

Diz-lhe que dance

Diz-lhe então que as amantes são como jardins, extensos como paraísos, e requerem cuidados sem fim.
Diz-lhe que nunca deixe esgotar a poesia nos momentos de paixão, pois o corpo e a alma são uma só máquina, metade magia e metade ilusão.
Diz-lhe que cante, todo o dia e toda a noite, que cante no sono e no choro e debaixo de neve. Diz-lhe que perdoe, incessantemente, antes sequer de algo ter acontecido.
Diz-lhe que ame, e que se perca no seu amor, e que se volte a encontrar.
Diz-lhe que viva, e que a morte é apenas tão certa quanto o nosso medo de nascer. Diz-lhe que dance!

Cross Your Fingers

Cross your fingers, hold your toes
We're all gonna die when the building blows.

Laura Marling - Cross Your Fingers





Dormir

Estás a dormir e não sabes que eu estou aqui. A tua mão está caída sobre o meu peito, o teu pé entalado entre as minhas pernas. Estou ainda molhada do teu suor. A mão está fechada como a de um bebé, e não me deixas abri-la. Tento entrelaçar os meus dedos nos teus, mas não estás aqui, saberás que eu existo? Onde andas?


Eu não quero ir. Quando tens os olhos fechados eu abro os meus furiosamente, sem deixar um instante passar. Testemunhando tudo, até não aguentar mais.
Enquanto não regressares eu não posso partir; enquanto não te vir abrir os olhos e saber que vais apanhar os momentos por mim, guardar o tempo no coração e soprá-lo sobre o meu corpo.


Não vou dormir. Se partimos as duas o que será do mundo? O que será da casa, dos tijolos dentro das paredes? Não posso parar. Mesmo sozinha, não posso parar. Tudo continua e é preciso estar aqui, a segurar as fundações. Com braços e lágrimas e tédio. Confusão.


Rebolas para o lado, escorrem gotas de suor por mim abaixo. Tenho medo que durmas para sempre mas sei que não devo acordar-te. Tenho medo de nunca ir adormecer mas sei que tenho de permanecer desperta. Tenho medo de nada ser real mas sei que tenho que viver ou perder tudo.


14/04/11

O Vizinho

O vizinho demorava-se na janela, a cuspir pequenas argolas de fumo. O prédio dele era em frente, verde, branco, com merda nas paredes. Eu tinha doze anos e o frio da rua abraçava os meus seios, deixava cair a camisa no chão e pousava no parapeito. Horas, a ver as árvores crescerem.
Foram muitos os encontros à distância, eu encostava os meus lábios ao vidro e dois dedos húmidos de vergonhas. Ele jorrava fumo da boca e do nariz, olhava-me silencioso.
Momentos houve em que desejei os seus passos, o som do elevador decrépito, um cheiro de homem e tabaco. O seu fumo a subir-me pelas pernas acima, mais branco que o branco que sou eu, mais fumo que o fumo que sou eu. A sua língua, talvez, e uma barba de pai, a roçar-me nas virilhas, a ameaçar um açoite.
Pousada naquela janela, enrolando nos dedos uma madeixa de cabelo, afastando um fio de ouro da minha avó no qual chupava ansiosamente, perdi a minha inocência, o meu pudor, os meus fingimentos. De longe chegava-me o cheiro de uns braços, de umas mãos grandes como muros para me espicaçarem.

13/04/11

Kind Hearts and Coronets

Sibella - What am I doing?
Louis - You know very well. You’re playing with fire.
Sibella - At least it warms me.

12/04/11

Rapazes

Gosto dos rapazes meigos, com medo no corpo. Gosto dos rapazes gentis, com fome na alma. Não se deve falar de rapazes, mas sim de cada rapaz. No entanto é difícil separá-los dessa aura. Homens, gajos, com promessas nos olhos – feitas a si mesmos.


Sinto os rapazes do outro lado de um rio, a olhar para o que tenho nas mãos. Vejo os rapazes sobre a colina, a polir ferramentas. Sempre despertos, sempre esperando.


Amei rapazes, beijei rapazes, ordenei a rapazes que retornassem ao útero de suas mães. Gritei com rapazes, chorei por rapazes, coroei rapazes como irmãos.


Convivi com rapazes nos seus universos selados, cheios de memórias que lhes oferecem um nome. Segui os olhos dos rapazes sobre as curvas femininas, ou um felino andar, ou uns lábios de cor obscena. Ri-me junto de rapazes, de piadas tropeçantes no absurdo, de remniscências infantis. Fui feliz junto deles sem os tocar, sem os ver quebrar, sem os conhecer.


Sinto os rapazes no fim das escadas, a escutar a melodia dos meus passos. Vejo os rapazes do outro lado de um bosque, sem haver uma passagem. Sempre lá, mas nunca lá.


Corri para rapazes, deitei-me com rapazes, vi rapazes adormecerem.


Amei rapazes, escrevi a rapazes, mas nunca os consegui acordar.


08/04/11

Faz-me Justiça

Faz-me justiça
quando o tempo tiver infectado as histórias
quando eu for pegadas esquecidas no corredor

Faz-me justiça
quando o som da minha voz te soprar memórias
quando a minha ausência aliviar a tua dor

Faz-me justiça
quando eu não for mais que uma fotografia
quando eu for nome sem cheiro nem cor
…apenas agonia
um caco de nostalgia
um estilhaço de amor.

03/04/11

Para o Davide

Quantas vezes já nos perdemos à noite, em passos sincronizados fintando as luzes da rua?
Quantas vezes tecemos palavras, de garrafas meio vazias nas mãos, a combater o frio com murmúrios de ansiedade e amor?

Eu conheço os teus cantos escuros, de poesia e dor. De solidão secreta, cega por holofotes monumentais.
E tu viste os meus cantos escuros, a espreitar por detrás das cortinas lilases que faço ondular para os olhos do mundo.
Momentos existiram em que o meu escuro tocou o teu, e o nosso silêncio foi a nossa Jura. Sim, eu sei quem está aí dentro.

Amar-te é por vezes calar, ver-te partir por caminhos incertos, seduzido por brilhantes frutos e largos sorrisos.
Amar-te é por vezes doer, querer a lembrança de ti nu e desabrigado, para saber que não foram um sonho - aqueles momentos em que o meu escuro tocou o teu escuro.
Amar-te é ver-te por vezes tão longe, dividido entre os frutos e os sorrisos. Sem nada que te levante no ar, me levante no ar, e nos leve para onde precisamos de ir... Onde os nossos olhos vão ver o que se vê do céu e os nossos dedos vão tocar as estrelas.

Seremos o tecido que afaga a rotação do mundo. Amor.

02/04/11

Feminist or Womanist - Staceyann Chin

Am I a feminist or a womanist? The student needs to know if I do men occasionally and primarily, am I a lesbian? Tongue tied up in my cheek, I attempt to respond with some honesty. Well, this business of Dykes and Dykery, I tell her, it’s often messy. With social tensions as they are, you never quite know what you’re getting.

Girls who are only straight at night, hardcore butches be sporting dresses between 9 & 6 every day. Sometimes she is a he, trapped by the limitations of our imaginations. Primarily, I tell her, I am concerned about young women who are raped on college campuses, in bars, after poetry readings like this one, in bars. Bruised lip and broken heart, you will forgive her if she does not come forward with the truth immediately, for when she does, it is she who will stand trial as damaged goods. Everyone will say she asked for it, dressed as she was, she must have wanted it. The words will knock about in her head: ” Harlot, slut, tease, loose woman” – some people can not handle a woman on the loose. You know those women in pinstriped shirts and silk ties, You know those women in blood-red stiletto heels and short skirts. These women make New York City the most interesting place. And while we’re on the subject of diversity, Asia is not one big race, and there’s not one big country called ‘The Islands’, and no, I am not from there.

There are a hundred ways to slip between the cracks of our not so credible cultural assumptions about race and religion. Most people are suprised that my father is Chinese. Like there’s some kind of preconditioned look for the half-Chinese, lesbian poet who used to be Catholic, but now believes in dreams.

Let’s get real sister-boy in the double-x hooded sweatshirt. That blonde-haired, blue-eyed Jesus in the Vatican ain’t right. That motherfucker was Jewish, not white. Christ was a middle-eastern rasta man who ate grapes in the company of prostitutes and he drank wine more than he drank water. Born of the spirit, the disciples loved him in the flesh.

But the discourse is not on those of us who identify as gay or lesbian or even straight. The state needs us to be either a clear left or right. Those in the middle get caught in the cross – fire away at the other side. If you are not for us, then you must be against us. If you are not for us, then you must be against us. People get scared enough, they pick a team. Be it for Buddha or Krishna or Christ, I believe God is that place between belief and what you name it. I believe holy is what you do when there is nothing between your actions and the truth.

The truth is I’m afraid to draw your black lines around me, I’m not always pale in the middle, I come in too many flavors for one fucking spoon. I am never one thing or the other. At night I am everything I fear, tears and sorrows, black windows and muffled screams. In the morning, I am all I ever want to be: rain and laughter, bare footprints and invisible seams, always without breath or definition. I claim every single dawn, for yesterday is simply what I was, and tomorrow even that will be gone.

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=PQOmyebFVV8?rel=0&w=480&h=390]

O Pertinente

As professoras utilizam muito a palavra Pertinente. Desde cedo aprendi esse conceito e o seu estatuto de realeza. Num mundo em que devemos ficar sentados e somos obrigados a levantar o braço se queremos comunicar, a Pertinência era a rainha e sentava-se num trono alado. Ficava flutuando num canto junto ao tecto observando-nos, julgando-nos, fazendo-nos gaguejar com a incerteza do nosso valor.
O que é, então, o Pertinente? É o apropriado, o relevante, o oportuno. É o que não ofenda, o que não amachuque, o que não dê um bruto safanão à cabeça da rainha fazendo-a perder a coroa.
Muitas vezes terei pecado por impertinência, o que detectava pelos olhares desconfortáveis, tiques nos cantos das bocas. É-me difícil acorrentar as palavras que desejam ser som. Ou impedir os meus pensamentos de correrem a abraçar os outros num ímpeto. Quero dizer. Sempre quis. É o meu modo de abrir os braços.
Mas aprendemos a vergonha, o medo de cair na desgraça. Os nossos tempos de tagarelice enquanto bebés desvanecem na aprendizagem da educação. E embora o silêncio seja a verdade, as palavras são o caminho que lá nos conduz. São a doença que ensina a cura.
Em vez disso morremos calados em nome da pertinência.