31/10/10

No White Clouds




They say  F R E E D O M


is the answer to a question you don't have to ask...


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27/10/10

Sonho

Estou nua, deitada na cama. A palidez do meu hálito contra o negro dos meus lençóis. Os joelhos chegam-me aos pulsos, transparentes, raiados de azul.

Há muito muito tempo, sonhei viver assim. Nua, deitada no solo. A trancar o calor entre as portas da minha carne. De ouvido colado à terra, a ouvir as estações passar.
Sonhei tornar-me rija como uma raiz centenária, cheia de vida e de silêncio. Quis conter a minha vitamina e dividi-la em veias pelo mundo fora.

Mas cresci flor.
Acima da terra.
Com os olhos a queimar ao sol e o caule a curvar-se ao vento.
Sou frágil. Sou uma. Não me consigo propagar num frenesim secreto de amor por debaixo do chão.
Não consigo escrever o meu nascimento através das rochas e da lama.
O meu grito é um mero assobio numa brisa despercebida.

15/10/10

Era Uma Vez

Duas crianças dormiam. Sonhavam que estava a chover.
As gotas de água caíam e mordiam-nas, como dezenas de piranhas. Mas a carne não sangrava. Em vez disso, a pele caía em véus, transparente, até pousar em alguma poça de água no chão.
As crianças sacudiam-se de susto e confusão, vendo o seu corpo despedaçar-se em camadas. A dor era quente e lasciva. As crianças trocavam olhares de intimidade febril.
Por debaixo da pele caída, um novo corpo emergia - dourado e desnorteante, como os olhos de um tigre.
As crianças notaram que as gotas que caíam no chão faziam nascer ervas daninhas. Daquelas que sugam o solo com uma fome de mendigo, e nunca se esgotam de querer.
Passados momentos, as crianças viram-se nuas. Toda a sua pele anterior tinha caído e servia de alimento a outras pequenas histórias. Então, entreolharam-se pela última vez essa noite, e deitaram-se para se amarem até de madrugada. Sobre o verde reluziam os corpos unidos, dilatando-se no silêncio como dois raios de sol.
A chuva tornou-se branda e em breve as ervas daninhas se tornaram lençóis. As crianças acordaram embaladas pelo ar morno da manhã. Abriram os olhos sem se lembrarem do que tinham juntas sonhado. Acotovelaram-se espreguiçando-se longamente. Esfregaram os olhos e observaram-se - este olhar levantou silêncio.
Havia algo escrito por debaixo dos lábios mas as crianças não sabiam ler. Havia algo a romper de dentro dos olhos mas as crianças não conseguiam ver. Restava um sabor de certeza e sangue, que elas conheciam sem terem ainda provado.
Então, como sábios decidiram esperar, sabendo que haviam de cumprir todas as profecias que ainda desconheciam.



Fim




14/10/10

O caminho para casa

É o fim de mais uma tarde. Pelos passeios gelados levito de volta para casa. Sobre mim, as árvores cospem folhas secas à vez, como uma fonte programada de centro comercial. O solene assobio dos subúrbios inunda a minha cabeça, não preciso de fazer nada senão respirar.
As casinhas são todas iguais e estão alinhadas de forma perfeita mas todos sabemos qual é a nossa. Magia.
Passo pela família indiana que mora ao meu lado, eles nunca olham para mim. Uma criança de colo vira a cabeça e engole a infinitude desta rua com os grandes olhos escuros. Nos olhos da criança vejo - a fila de casas alinhadas prolonga-se, regular, até ao fundo, até ao céu. Magia.


Chego à entrada. Tenho uma chave que abre esta porta.
É dourada e suja, como um tesouro desenterrado.

Declans Well



We're half awake,
in a fake empire.
We're half awake,
in a fake empire.

02/10/10

Wash your face in the lake,
you've got a diamond under your skin.


I Sing I Swim - Seabear

01/10/10

Astenia



Tenho medo de me ter perdido das palavras.
Foram elas que me levaram ao mais fundo dos abismos e me deixaram sozinha. Para estudar o mundo e cegar no escuro. Vulnerável às frestas dolorosas de luz.


Nesse abismo fiquei dormente. Fui a primeira a abandonar-me e por isso sei que não devo ressentir-me de ninguém.
Não amar o mundo é não me amar a mim mesma. E reaprender a amar exige uma verdadeira solidão.


Ninguém voltará a intrujar-me com uma versão rasca de amor.
Nem voltarão a matar-me com a força do meu próprio abraço.


Depois de ter ido com elas até ao fim de tudo o que existe, e de ter cumprido todas as provas que havia, as palavras deixaram-me só. Num silêncio que desarma toda a dor e todo o grito.
Era essa a resposta, essa a solução. Sim.
Encontrei o que existe para não ser dito. E ainda assim temo ter-me perdido das palavras. Porquê?
Porque tenho medo?


Sinto que só existo quando o posso escrever.
Para o ler logo a seguir, e saber
estive aqui.