30/03/10

A Decisão



«O que se passa comigo hoje?»
Ela está sentada na cama. Os seus melhores anos viajam longe do olhar. Aprendeu cedo que as memórias conseguem quebrar os corações mais frígidos, mas que não é algo por que se deva choramingar. A mestria do silêncio encorpou-se nela com a voz da mãe, o chiar dos corredores, o eco dos cortinados. Ela coloca o dedo indicador sobre os lábios e diz shh, para não se atrever. Mas há um nó apertado que insiste em estrangular a sua garganta.


Ela não quer que ninguém lhe relembre da sorte que tem.
As mãos consolam-se mutuamente, esfregando-se numa trágica nostalgia. Lá fora, o vento não mostra piedade.


«Estou a perder a cabeça» sussurra, e lembra-se de há muito tempo numa tarde ter corrido atrás do seu chapéu pela rua fora. O vento despenteava as velhinhas na paragem do autocarro. E o sol brilhou descontrolado dentro dela como nunca, como nunca antes.

As mãos param e finalmente caem sobre o colo. Ela olha em volta para as paredes castanhas do quarto, e apercebe-se:
Está na altura de deixar o vento entrar.