O Feitiço
Cada luz da manhã nos nossos olhos, uma ferida. Cada anoitecer ensalivado, mais um mergulho num furacão. Não vamos desperdiçar o tempo. Vamos levando a boca à garrafa, os olhos ao fumo. Vamos levando as mãos ao peito, esmagado de introversão. É uma terceira puberdade. Uma segunda infância. Uma primeira velhice. Em que todas as luzes se apagam. Dançamos s e m e s c r ú p u l o s em todas as espeluncas, saltamos com tanta força que voamos, ou ficamos flutuando em cambalhotas no ar. A música penetra-nos até à virgindade. Não há roupa sem suor. A gravidade arranha-nos os tendões, vagarosa.
Corremos à chuva pelo autocarro, damos a mão e o nosso cachecol é subitamente a p r ó p r i a g a l á x i a ; depressa nos vemos perdidas. Tudo é mágico nesta história. As facas da cozinha. O açúcar amarelo. Os lençóis. Os cereais de pequeno almoço. Os metros infindáveis. Chegamos a casa já fazendo amor. As minhas roupas correm a tapar todas as janelas, o escuro agarra-nos os corpos. E somos apenas notas de uma melodia maior. Tudo é trágico nesta história. O medo. As plantas da sala de estar. As lágrimas. As promessas. ...Mas as roupas caem e mesmo junto da luz, o feitiço não se quebra.
08-12-09
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